De Masi é mais do que atual, polêmico ou instigante. É um otimista!
Num momento em que o desemprego ronda a humanidade e todos se acham ameaçados por esse monstro, Domenico De Masi vê, por meio da lente da História, que o desemprego é a face visível de um fenômeno mais profundo : a libertação do trabalho.
“O trabalho é, pela sua natureza, uma maldição bíblica. Desenvolve-se em lugares indecentemente feios, onde uma pessoa deve passar muito tempo, gastando muita energia, com rituais inúteis... Será que a mitologia do horário, do controle e da hierarquia é realmente produtiva?”(Domenico De Masi, em O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1999.)
“Em 1857, isto é, há quase um século e meio, Marx tinha escrito : ‘É chegado o tempo em que os homens não mais farão o que as máquinas podem fazer’ e tinha concluído que o capitalismo, tendendo de forma inexorável para a abolição do trabalho, teria dessa forma provocado sua própria morte.” (Domenico De Masi)
“Quando na fábrica totalmente robotizada da Benetton for possível produzir roupa sem que nenhuma hora de trabalho humano tenha participado no ciclo produtivo, então o sonho ancestral terá sido realizado, mesmo que, por ironia do destino, os homens experimentem-no não como a libertação do trabalho, mas como o pesadelo do desemprego.”(Domenico De Masi)
Professor titular de Sociologia da Universidade la Sapienza de Roma, Domenico De Masi é presidente da Societá Italiana per il Telelavoro (SIT) e do Istituto Nazionale Architettura (IN/ARCH). É membro do comitê científico de diversas revistas italianas e diretor responsável da revista Next-Strumenti per l’innovazione. Atua como consultor organizacional, com serviços prestados à Fiat, IBM, Pirelli e Glaxo, entre outras empresas.
Seu livro A Emoção e a Regra (Os Grupos Criativos na Europa de 1850 a 1950), onde o autor demonstra conclusões de estudo patrocinado pela IBM, sobre modelos de equipes criativas, encontra-se na 4a edição, no Brasil.
Sua participação no programa Roda Viva (TV Cultura) em Janeiro/99, provocou tamanha repercussão, que foi novamente entrevistado em Junho/99. A fita do primeiro programa teve uma venda de 5.000 cópias, mantendo índices de venda regulares após 6 meses da apresentação. A do segundo programa já possuía fila de espera antes das cópias estarem disponíveis.
Também no programa Milênio da Globonews, sua participação teve grande impacto, levando a sua reapresentação três semanas após a primeira exibição.
Sumário
Dez teses ........................................................................................................... 07
Livres e escravos na Grécia antiga ........................................... 13
Livres e escravos em Roma e na Itália ...................................... 19
Do baixo império à Idade Média: declina a
escravidão, nascem os servos da gleba ................................... 22
O papel da motivação ............................................................ 25
O progresso tecnológico na Idade Média e a
“síndrome de Vespasiano” ..................................................... 30
A parasceve de Bacon ........................................................... 34
Da proto-industrialização à industrialização ............................. 36
Taylor e a eliminação do trabalho ........................................... 39
Trabalho pós-industrial e obstinação empresarial ..................... 45
Keynes: trabalhar tres horas por dia ....................................... 48
Adret: trabalhar duas horas por dia ........................................ 56
Desempregado será uma boa ................................................ 60
“Prosuming” e padronização .................................................. 64
A “síndrome japonesa” ...........................................................66
“Workers of the word, be warned!” .......................................... 68
“Jobless prosperity” ...............................................................72
O masoquismo dos indefesos ................................................75
O sadismo dos machistas .................................................... 78
O americano, o japonês e o leão ............................................84
Apêndice ............................................................................ 89
“Se cada instrumento pudesse, a uma ordem
dada, trabalhar por si, se as lançadeiras tecessem
sozinhas, se o arco tocasse sozinho a cítara, os
empreendedores não iriam precisar de operários
e os patrões dispensariam os escravos
Aristóteles
“Acreditar que os trabalhadores substituídos pelas
máquinas encontrarão inevitavelmente trabalho
na construção dessas mesmas máquinas equivale
a acreditar que os cavalos substituídos pelos
veículos mecânicos poderiam ser utilizados nos
diferentes setores da indústria automobilística.”
Wassily Leontief
“A sociedade do desenvolvimento foi também
uma sociedade do trabalho. A vida dos homens
era construída em torno do trabalho[...]. Pode-se
até mesmo dizer que a figura do homem
trabalhador representou o ideal desta sociedade.
Resta-nos perguntar: o que irá acontecer quando
- para citar Hannan Arendt -, à sociedade do
trabalho, o próprio trabalho vir a faltar?”
Ralf Dahrendorf
Como trabalhadores, como desempregados, ou como pais de desempregados, de uma maneira ou de outra, estamos “dentro” do problema da falta de trabalho. Que Deus tenha Max Weber na santa paz! Assim, não adianta pretendermos a capacidade de encarar o assunto de forma objetiva. Incapazes, então, de examiná-lo “do lado de fora”, nos resta apenas olhá-lo “demoradamente e de longe”, isto é, numa perspectiva histórica indispensável para entender as razões latentes do fenômeno e, ao mesmo tempo, propiciar ao raciocínio o impulso necessário para refletir sobre o futuro próximo. O máximo que podemos arriscar ao encarar o desemprego “demoradamente e de longe” é perceber fatos nada assustadores, ou melhor, experiências bem-sucedidas e, assim, nos tornarmos otimistas – pouco confiáveis, portanto, do ponto de vista científico – aos olhos de quem considera sérios somente os diagnósticos desoladores e eficazes apenas as terapias dolorosas. Contudo o único risco que se pode correr é o de caminhar do lado ensolarado da rua.
Domenico De Masi.
Apêndice (Trechos)
Perspectivas econômicas para os nossos netos
Por John Maynard Keynes
(Conferência proferida em Madri, em junho de 1930)
Estamos neste momento sofrendo de um profundo ataque de pessimismo econômico. É bastante comum ouvirmos as pessoas dizerem que a época do enorme progresso econômico que caracterizou o século XIX está chegando ao fim; que agora a rápida melhora da qualidade de vida terá de se tornar mais lenta, pelo menos na Grã-Bretanha; que na próxima década é mais provável que a prosperidade decline em vez de florescer.
Considero que esta seja uma interpretação completamente falha do que está acontecendo. Não estamos padecendo dos achaques da velhice, mas sim dos distúrbios de um crescimento feito de mutações rápidas demais e das dores da readaptação de um período econômico para outro. A eficiência técnica se intensificou progressivamente num ritmo mais rápido do que aquele com o qual conseguimos solucionar o problema de absorver a mão-de-obra. A melhoria da qualidade de vida foi um pouco rápida demais; o sistema bancário e monetário do mundo impediu que a taxa de juros caísse com a velocidade necessária a um reequilíbrio. [...]
A depressão que domina o mundo, a atroz anomalia do desemprego num mundo repleto de necessidades, os erros desastrosos que cometemos nos deixam cegos diante do que está acontecendo sob a superfície, isto é, diante do significado das verdadeiras tendências do processo. Quero na verdade dizer que as duas vertentes opostas de pessimismo, que hoje em dia provocam no mundo tamanho barulho, vão se provar errôneas no decorrer de nossa geração: o pessimismo dos revolucionários, que pensam que as coisas andam tão mal que nada poderá nos salvar a não ser uma reviravolta violenta; e o pessimismo dos reacionários, que consideram o equilíbrio de nossa vida econômica e social instável demais para que possamos arriscar novas experiências. [...]
No prazo de pouquíssimos anos, isto é, no decorrer de nossa vida, poderemos estar em condição de desempenhar todas as atividades dos setores agrícola, mineiro e manufatureiro gastando um quarto da energia humana que estávamos acostumados a gastar.
No momento, a própria rapidez dessa evolução nos deixa desconfortáveis e nos coloca diante de problemas de difícil solução. Para os países que não estão na vanguarda do progresso o impacto é relativo. Nós, ao contrário, somos atingidos por uma nova doença da qual alguns leitores podem ainda desconhecer o nome, mas da qual muito se irá falar nos próximos anos: o desemprego tecnológico. Isso significa que o desemprego resultante da descoberta de instrumentos que economizam mão-de-obra caminha mais rapidamente do que nossa capacidade de encontrar novos empregos para a mesma mão-de-obra.
Contudo, essa é apenas uma fase transitória de desequilíbrio. Aliás, visto em perspectiva, isto quer dizer que a humanidade está caminhando para a solução de seu problema econômico. Ouso até afirmar que daqui a cem anos o nível de vida dos países em desenvolvimento será de quatro a oito vezes superior ao atual. Isso nem seria surpreendente à luz de nossos conhecimentos atuais. Poder-se-ia até considerar a possibilidade de progressos ainda maiores.
A título de hipótese, admitamos que daqui a cem anos a situação econômica de todos nós esteja em média oito vezes superior à de hoje. Esse fato, na verdade, não deve despertar a nossa admiração.
É bem verdade que as necessidades dos seres humanos podem parecer inesgotáveis. Todavia, elas se enquadram em duas categorias. Algumas são necessidades absolutas, pois as percebemos como as condições dos seres humanos, nossos semelhantes. Outras são relativas, pois existem apenas em relação à satisfação que nos proporcionam ao nos fazer sentir superiores aos nossos semelhantes. Essas últimas, as que satisfazem o desejo de superioridade, podem de fato ser inesgotáveis, pois quanto mais alto for o nível geral, tanto maiores se tornam. O que não é tão verdadeiro para as necessidades absolutas. Em relação a estas, poderemos alcançar depressa, talvez muito mais depressa do que acreditamos, o momento em que serão satisfeitas, no sentido em prefiramos dedicar as energias restantes a fins não econômicos.
Chegamos agora à minha conclusão, que acredito todos considerarão desconcertante, aliás quanto mais refletirem sobre ela mais desconcertante lhes parecerá.
Chego à conclusão de que, deixando de lado a eventualidade de guerra, de crescimentos demográficos excepcionais, o problema econômico pode ser solucionado, no decorrer de um século. Isto quer dizer que o problema econômico não é, se olharmos para o futuro, o problema permanente da espécie humana.
Mas por que, poderão perguntar, isso é tão desconcertante? É desconcertante porque, se em vez de olhar para o futuro, nós nos voltarmos para o passado, veremos que o problema econômico, a luta pela subsistência sempre foi, até o presente momento, o problema principal, o mais premente para a espécie humana, aliás, não apenas para a espécie humana, mas para todo o reino biológico, desde as origens da vida em suas formas mais primitivas.
Assim nossa evolução natural, com todos os nossos impulsos e os nossos mais profundos instintos, aconteceu com o intuito de solucionar o problema econômico. Uma vez solucionado, a humanidade ficaria privada do seu objetivo tradicional.
Isso será um bem? Se acreditarmos, por pouco que seja, nos valores da vida, descortina-se a possibilidade de que se torne um bem. Todavia, eu penso com pavor no redimensionamento de hábitos e instintos do homem comum, hábitos e instintos enraizados nele por gerações incontáveis e cujo abandono lhe será proposto no decorrer de algumas décadas.
Para usar a linguagem moderna, talvez devêssemos esperar por um ‘colapso nervoso” generalizado? Já tivemos uma pequena experiência do que eu quero dizer, isto é, um colapso nervoso semelhante ao fenômeno já bastante freqüente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos entre as mulheres casadas das classes abastadas, mulheres em sua maioria infelizes, que a riqueza privou das tarefas e das ocupações tradicionais; mulheres que não conseguem se interessar o bastante pela cozinha, pela limpeza, pela costura, quando lhes falta o estímulo da necessidade econômica e que, contudo, são totalmente incapazes de inventar qualquer coisa de mais divertido.
Para quem sua pelo pão de cada dia, o tempo livre é um prazer cobiçado até o momento em que o alcança. Lembremos o epitáfio que uma velha faxineira escreveu em sua lápide:
“Não vistam luto, amigos, não chorem por mim, que finalmente não farei nada, nada pela eternidade afora”.
Aquilo era seu paraíso. Como outros que aspiram ao tempo livre, a faxineira imaginava apenas o quanto seria lindo passar o tempo como espectador. Havia mais duas outras linhas no epitáfio:
“O paraíso ressoará de salmos e de músicas suaves, mas eu não farei esforços para cantar”.
Todavia, a vida será suportável somente para os que participam do canto. E quão poucos de nós sabem cantar!
Assim, pela primeira vez desde sua criação, o homem estará diante de seu verdadeiro e constante problema: como empregar sua libertação das agruras econômicas mais prementes, como empregar o tempo livre que as ciências e os juros compostos lhe granjearam, para viver bem, de forma agradável e sábia?
Os incansáveis e decididos criadores de riqueza poderão levar todos nós junto com eles para o seio da abundância econômica. Porém, somente poderão gozar da abundância, quando esta chegar, aqueles que souberem manter viva a arte da vida e levá-la à perfeição, e que não se venderem em troca dos meios de vida.
No meu entender, entretanto, não existe um único país ou povo que possa encarar sem pavor a era do tempo livre e da abundância. Aliás, por tempo demais fomos treinados a fatigar em vez de gozar. Para o homem comum, desprovido de talentos especiais, o problema de se empenhar numa ocupação é assustador, sobretudo se não tem mais raízes na terra, nos costumes ou nas convenções prediletas de uma sociedade tradicional. A julgar pela conduta e pelos resultados das classes ricas de hoje, em qualquer lugar do mundo, a perspectiva é realmente deprimente. Essas classes, na verdade, são, por assim dizer, a nossa vanguarda. São os que exploram para nós a terra prometida e nos preparam o terreno. E, na sua maior parte, os que tem uma renda independente, mas nenhum compromisso, vínculo ou associação, foram submetidos, assim me parece, a uma derrota fragorosa na tentativa de resolver a questão que estava em jogo.
Tenho certeza de que, com um pouco mais de experiência, nós nos serviremos do nosso generoso dom da natureza de forma completamente diferente dos ricos de hoje e traçaremos para nós um plano de vida totalmente diverso, que não tem nada a ver com o deles. Ainda por muitas gerações, o instinto do velho Adão continuará tão forte dentro de nós que precisaremos de “algum” trabalho para ficarmos satisfeitos. Faremos, para servir a nós mesmos, mais coisas do que costumam fazer os ricos de hoje e ficaremos mais do que contentes de Ter obrigações, deveres e rotinas a cumprir. Mas, além disso, teremos de nos empenhar com cuidado para compartilhar desse “pão” a fim de que o pouco trabalho que ainda restar seja distribuído entre o maior número possível de pessoas. Turnos de três horas e semana de trabalho de quinze horas podem manter o problema sob controle por um longo período. Três horas de trabalho por dia são de fato mais do que suficiente para apaziguar o velho Adão que está em cada um de nós.
Teremos de esperar por mudanças também em outras áreas. Quando a acumulação de riqueza deixar de ter um significado social importante, acontecerão mudanças profundas no código moral. Teremos de saber nos libertar de muitos dos princípios pseudomorais que supersticiosamente nos torturaram por dois séculos e pelos quais enaltecemos como virtudes máximas as qualidades humanas mais desagradáveis. Precisaremos ter a coragem de atribuir à motivação “dinheiro” seu verdadeiro valor. O amor ao dinheiro como propriedade, diferente do amor pelo dinheiro como meio de aproveitar dos prazeres da vida, será reconhecido por aquilo que é: uma paixão doentia, um pouco repugnante, uma daquelas propensões meio criminosas e meio patológicas que, com um calafrio, costumamos confiar a um especialista em moléstias mentais. Ficaremos, finalmente, livres para nos desfazermos de todos os hábitos sociais e das práticas econômicas referentes à distribuição da riqueza e às recompensas e penalidades econômicas que hoje mantemos a todo custo, apesar de serem desagradáveis e injustas, dada sua inacreditável utilidade em fomentar a acumulação do capital.
Naturalmente, continuarão a existir muitas pessoas dotadas de ativismo e do senso de compromissos intensos e insatisfeitos, que cegamente irão perseguir a riqueza a não ser que consigam achar um substituto válido. Mas não teremos mais a obrigação de louvá-las e encorajá-las porque saberemos perscrutar, mais a fundo do que hoje nos é permitido, o significado real desse “compromisso”. [...]
Assim, vejo os homens livres se voltarem para alguns dos princípios mais sólidos, autênticos e tradicionais, da religião e da virtude; a avareza é um vício; a prática da usura um crime; o amor pelo dinheiro, desprezível; quem menos persegue o dinheiro trilha verdadeiramente o caminho da virtude e da profunda sabedoria. Daremos novamente mais valor aos fins do que aos meios e preferiremos o bem ao útil. Prestaremos homenagem a quem souber nos ensinar a acatar a hora e o dia com virtude, àquelas pessoas maravilhosas capazes de extrair um prazer direto das coisas, como dos lírios do campo que não semeiam nem tecem.
Mas cuidado! O momento ainda não é chegado. Pelo menos outros cem anos deveremos fingir para nós mesmos e para todos os outros que o certo está errado e o errado está certo, porque aquilo que está errado é útil e o que é certo não é. Avareza, agiotagem, prudência têm de ser nosso lema ainda por um pouco de tempo, porque somente esses princípios podem nos tirar do subterrâneo da necessidade econômica para a luz do dia.
Espero, então, que em dias não muito distantes aconteça a maior transformação da qual jamais se teve notícia no ambiente físico onde se move a vida dos seres humanos como um todo. Porém, naturalmente tudo irá se passar em etapas, não como ma catástrofe. Aliás, tudo já começou. As coisas simplesmente caminharão assim: as categorias e os grupos de pessoas que na prática não conhecem os problemas da necessidade econômica irão se alastrando. Será percebida a diferença crítica quando esta condição tiver se expandido a ponto de mudar a natureza da obrigação do homem para com seu semelhante. De fato, o empenho do fazer para os outros continuará a Ter uma razão, mesmo quando tiver deixado de tê-la o fazer em nosso proveito próprio. [...]
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