[SINAPSES] Mudaremos forma de DISTRIBUIR RIQUEZA QUE NOSSA INTELIGÊNCIA GEROU << ou >> REPRISAREMOS (CRISES CAPITALISMO=EXCESSO PRODUÇÃO) velha fórmula: “DESTRUIR EXCESSO CAPACIDADE PRODUTIVA” para manter OS MERCADOS FUNCIONANDO ??
Falar em “EXCESSO CAPACIDADE PRODUTIVA” é UM CRIME em um mundo onde 5 bilhões de pessoas tem carências básicas para sobrevivência !!
Assunto: Evoluindo de produtividade para criatividade.
Proposição:
O desafio de nossos avós e pais foi a Produtividade (Produção / Horas de trabalho), a equação resumo da Sociedade Industrial.
Nosso desafio é a Criatividade (Idéias / Ócio (horas de)), a equação resumo da Sociedade Pós-Industrial (ou do Conhecimento). [1]
[1] O professor De Masi detalha - em um capítulo do seu livro O Futuro do Trabalho - aEconomia do Ócio, fundada nesta equação, para demonstrar que a proposta não é estimular a vagabundagem.
E sim reformar a sociedade para otimizar a eficácia no uso do recurso mais precioso da Humanidade, a Criatividade, que até aqui ficava sacrificada, para a maioria das pessoas, em beneficio do trabalho manual e/ou executivo, requerido para a sobrevivência, e cada vez mais delegado a povos de regiões menos desenvolvidas e às máquinas.
Após um período, o mais curto possível, de educação e aculturação, o nosso ideal deve ser liberar todos os humanos dos trabalhos repetitivos (manuais ou intelectuais), para exercerem seu pleno potencial, como parte da grande Rede Neural de Gaia (nosso planeta, segundo uma teoria de ecologistas).
Alguns dados básicos:
Expectativa de vida antes da industrialização: 30 a 40 anos (fome, epidemias, guerras, etc. era a regra para a maioria da humanidade). Este dado não sofreu grande variação desde a antiguidade clássica (gregos e romanos) ate o século XVIII / XIX (1800 / 1900).
Expectativa de vida nos países industrializados: 75 a 80 anos (fome, epidemias, guerras, etc. tornaram-se eventos excepcionais para estas populações). Obra gigantesca da humanidade em apenas dois séculos, aplicando ciência (tecnologia e administração cientifica) nas organizações políticas, produtivas, médicas, urbanísticas, etc. Tudo isto construído com uma minoria de administradores bem educados, gerindo uma grande maioria de trabalhadores analfabetos (no inicio da industrialização) ou com baixa qualificação (mão-de-obra barata, própria ou do terceiro mundo).
Jornada de trabalho antes da industrialização: 16 a 20 horas (para adultos e crianças), 6 dias por semana. Ou seja: 96 a 120 horas de trabalho por semana.
Jornada de trabalho nos países industrializados: 7 a 8 horas (para parte dos adultos), 5 dias por semana. Escolarização cada vez maior e aposentadoria precoce são também (principalmente?) meios de evitar aumento do índice de desemprego, o grande fantasma dos governos democráticos. Ou seja: 35 a 40 horas de trabalho por semana.
Esta grande redução da jornada de trabalho (1/3 da praticada no inicio da industrialização) ocorreu nos últimos 50 anos, infelizmente, custando a Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.
Parte da vida dedicada a ser criado/empregado, antes da industrialização:
25 anos (dos 10 aos 35 anos) * 53 semanas/ano * 108 horas/semana = 143.100 horas.
Tempo de vida = 35 anos * 24 horas/dia * 7 dias/semana * 53 semanas/ano = 311.640 horas.
Portanto, 46 % da vida dedicada a ser criado/empregado.
Parte da vida dedicada a ser criado/empregado, nos países industrializados:
40 anos (dos 20 aos 60 anos) * 53 semanas/ano * 37,5 horas/semana = 79.500 horas.
Tempo de vida = 77,5 anos * 24 horas/dia * 7 dias/semana * 53 semanas/ano = 690.060 horas.
Portanto, 12 % da vida dedicada a ser criado/empregado.
(Isto supondo que o jovem consiga um emprego aos 20 anos e trabalhe continuamente até os 60 anos (situação rara nos dias atuais)).
O “work-aholic” (viciado em trabalho) é uma criação japonesa, que só foi útil aos tigres asiáticos, enquanto houve territórios “virgens” a “colonizar” no Ocidente.
Quando a reação ao hiper taylorismo / hiper fordismo asiático foi bem-sucedida, voltamos todos ao problema de “falta de espaço econômico” que, no inicio do século XX, causou a grande crise do colonialismo, levando aos dramas mundiais citados acima (Primeira Guerra Mundial, Grande Depressão, Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria.).
Assim é preciso voltar ao processo que possibilitou os “Anos Dourados”, posteriores a Segunda Guerra: geração de renda (demanda) com redução de jornada de trabalho, substituindo a mobilização da guerra econômica (competitividade) pela cooperação na construção de um mundo mais justo.
Precisamos de um “Plano Marshall Mundial”, muito criativo para burlar as restrições ecológicas.
Lembremos ainda que a sociedade asiática, típica do modelo tigre, padece de graves problemas de alcoolismo, desestruturação familiar, suicídio infantil, prostituição.
Conclusão:
Precisamos de idéias, de colaboração, para evitarmos graves crises (violência, doenças psicológicas, dependência química (cocaína, álcool, fumo, etc..), problemas ecológicos), causadas, basicamente, por mentes não conscientes (“alienadas”) de seus verdadeiros interesses e dos métodos eficazes para atingi-los.
Temos experiências históricas de duas formas de chegar ao nosso objetivo: através de crises sucessivas, ou através da inteligência (e desta vez é até mais fácil, pois não precisamos reconstruir o inimigo, como ao fim da Segunda Guerra).
Idéias e colaboração ocorrem tipicamente no tempo livre das pessoas, nas organizações do terceiro setor (organizações não governamentais), onde valores nobres e voluntariado predominam. E dificilmente em organizações onde predominam a competição por bens materiais (dinheiro).
Como as pessoas terão cada vez mais tempo livre - racionalmente, via redução de jornada - ou - dolorosamente, via aumento do desemprego - é responsabilidade das pessoas conscientes do momento atual, utilizar criativamente os meios disponíveis, para reestruturar a sociedade, tornando este tempo livre fonte de crescimento individual e social, e não fonte de tédio e desespero.
Isto só pode ser feito por aumento da consciência de que somos parte de um único organismo (nosso pequeno planeta azul), e todo organismo só e saudável, se todos os seus órgãos forem saudáveis.
E, parece-me interessante que neste momento, nossa espécie, a parte consciente do planeta, seu cérebro (perdoem-me esta crise de antropocentrismo), atingiu 6 bilhões de indivíduos. Trabalhemos para utilizar todo este imenso potencial.
Nossos pais e avós nos legaram a solução das angústias físicas, resolvendo a equação da produtividade.
Trabalhemos para legar aos nossos filhos e netos a solução das angústias intelectuais, emocionais e espirituais,resolvendo a equação da criatividade.
Nós herdamos o conhecimento para garantir a sobrevivência física.
Que nossos descendentes herdem a felicidade.
Referências:
As idéias acima foram estimuladas por uma leitura pessoal de parte das idéias do sociólogo do trabalho Domenico De Masi. Para outros que queiram se beneficiar da clareza, humor, poder de síntese e esperança deste autor, recomendo os livros abaixo.
· Desenvolvimento sem trabalho.
· O futuro do trabalho.
· A sociedade pós-industrial
· A emoção e a regra.
· O Ócio Criativo
· Criatividade e Grupos Criativos
Em Criatividade e Grupos Criativos, Domenico De Masi refaz o percurso da história da humanidade à luz da tensão febril que a impele, sem parar, a corrigir a natureza com a cultura: da roda aos óculos, do paraíso à Magna Carta, das cidades da Mesopotâmia à linha de montagem, das catedrais góticas ao Projeto Genoma, do cinema ao jazz.
Nos posts referenciados abaixo:
Desenvolvimento sem trabalho – Domenico de Masi – Editora Esfera
De Masi é mais do que atual, polêmico ou instigante. É um otimista!
Num momento em que o desemprego ronda a humanidade e todos se acham ameaçados por esse monstro, Domenico De Masi vê, por meio da lente da História, que o desemprego é a face visível de um fenômeno mais profundo : a libertação do trabalho.
“O trabalho é, pela sua natureza, uma maldição bíblica. Desenvolve-se em lugares indecentemente feios, onde uma pessoa deve passar muito tempo, gastando muita energia, com rituais inúteis... Será que a mitologia do horário, do controle e da hierarquia é realmente produtiva?”(Domenico De Masi, em O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1999.)
“Em 1857, isto é, há quase um século e meio, Marx tinha escrito : ‘É chegado o tempo em que os homens não mais farão o que as máquinas podem fazer’ e tinha concluído que o capitalismo, tendendo de forma inexorável para a abolição do trabalho, teria dessa forma provocado sua própria morte.” (Domenico De Masi)
“Quando na fábrica totalmente robotizada da Benetton for possível produzir roupa sem que nenhuma hora de trabalho humano tenha participado no ciclo produtivo, então o sonho ancestral terá sido realizado, mesmo que, por ironia do destino, os homens experimentem-no não como a libertação do trabalho, mas como o pesadelo do desemprego.”(Domenico De Masi)
Domenico de Masi RodaViva_1998_12_03 (transcrição)
Trecho:
Domenico de Mais no Roda Viva – TV Cultura - 3/12/1998
Sociológico italiano, Domenico De Masi defende uma nova sociologia do trabalho, baseada na criatividade e no que ele classificou como ócio criativo
Paulo Markun: Boa noite! O Roda Viva, na série das edições especiais, reapresenta hoje uma das entrevistas de maior repercussão da história do programa. É a do sociológico italiano Domenico De Masi, defensor de uma nova sociologia do trabalho, baseada na criatividade e no que ele classificou como ócio criativo, para que as pessoas possam ocupar o tempo livre tendo mais lazer, ampliando seus estudos e tornando-se melhores profissionais. Domenico De Masi foi diretor de empresa e é professor titular de sociologia na Universidade de Roma La Sapienza. Fez um amplo estudo sobre a emoção e a regra [Markun exibe na tela o livro do entrevistado A emoção e a regra], onde conta como a criatividade impulsionou algumas empresas na Europa no último século. Questionador das relações convencionais de trabalho, De Masi abriu uma nova discussão em torno de questões centrais da Educação, da formação profissional, e das relações de trabalho. Ele argumenta que a criatividade é o maior capital dos países ricos, e que esses países vivem, literalmente, de terem boas idéias. A entrevista que fizemos com o professor Domenico De Masi foi gravada em dezembro de 1998, na primeira visita que ele fez ao Brasil. Para entrevistar Domenico De Masi, estão aqui o jornalista Albino Castro, editor executivo da Gazeta Mercantil; o ex-faxineiro e ex-office boy Max Gehringer, presidente da Pullmam Plus Vita, palestrante e autor do livro Relações Desumanas no Trabalho; o sociólogo Danilo Miranda, diretor do Sesc no Estado de São Paulo; o engenheiro Milton Seligman, presidente do INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; o empresário Rodrigo da Rocha Loures, presidente da Nutrimental Comércio e Indústria de Alimentos; a jornalista e empresária Mônica Falconne; e o jornalista Marco Antônio de Rezende, diretor de redação da revista Vip-Exame. Professor Domenico, boa noite!
Domenico De Masi: Boa noite!
Paulo Markun: Lendo as entrevista do senhor, lendo o seu livro, e todas as declarações que eu vi, me passa a sensação de que o senhor é um enorme otimista, que o senhor tem uma visão muito positiva sobre o futuro da humanidade e sobre o futuro do trabalho e das relações do trabalho. Embora, aqui e ali, nos seus artigos, haja o reconhecimento de problemas que a gente terá que enfrentar, como por exemplo, o do desemprego, a visão geral me parece otimista. O que é que sustenta esse otimismo?
Domenico De Masi: Tenho muitos amigos intelectuais que, às vezes, dizem que queriam ter vivido no século XVIII [sociedade em que as camadas superiores, nobreza e clero, eram ociosas e sustentadas por uma camada trabalhadora], ou na época dos gregos, dos romanos [sociedades compostas por homens livres e escravos], ou no Renascimento. Creio que esses amigos se iludem, achando que, se tivessem vivido naquelas épocas, seriam príncipes ou aristocratas; pois, se tivessem sido pessoas comuns, certamente teriam vivido mal em comparação com os dias de hoje. Além disso, se iludem achando que seriam príncipes, com boa saúde, pois bastava ter uma dor dente, vinte ou trinta anos atrás, para que isso fosse uma grande tragédia. Então, acho impossível não sermos otimistas em uma situação como a atual. Pensemos um pouco nos dados. Em 800 gerações, desde o homem de Neandertal [hominídeo que teria vivido há cerca de 125.000 a 30.000 anos atrás] até nossos avós, a média de vida humana girou sempre em torno de 29 a 30 anos, cerca de 300.000 horas. Quanto aos nossos bisavós na Itália, os homens viviam 32 anos; as mulheres, 33 anos. Hoje, em apenas duas gerações, temos uma média de vida de 79 anos no caso dos homens e 82 anos para as mulheres. Portanto, a média de vida dobrou em apenas duas gerações. Simplesmente para tomar um banho, nossos bisavós tinham um trabalho enorme: pegar a água do poço, aquecê-la no fogo, acender o fogo - o que era difícil, pois não havia gás - e, finalmente, tomar banho. E, na mesma banheira, na mesma água, três ou quatro pessoas tomavam banho em seguida. Portanto, desde sempre os seres humanos esperaram trabalhar o menos possível, ser o mais rico possível, cansar-se o menos possível, sofrer o menos possível. Tudo isso ainda não foi plenamente atingido. Mas estamos no caminho certo.
Paulo Markun: Isso! Mas, por exemplo, na época de Atenas, de Aristóteles [filósofo grego, 384-322 a. C.], que o senhor menciona nos seus livros, existia isso, mas havia uma legião enorme de escravos para sustentar essas condições confortáveis e a possibilidade de um trabalho intelectual de uma elite.
Domenico De Masi: Certo!
Paulo Markun: Hoje em dia nós não temos escravos, mas temos algumas coisas parecidas, e a desigualdade é extrema. E, finalmente, as pessoas que estão na base da sociedade, muitas delas estão condenadas a não ter trabalho justamente porque são incapazes de enfrentar esses novos tempos.
Domenico De Masi: Ser otimista não significa esquecer os povos oprimidos e os marginalizados. Ser otimista significa apenas o seguinte: estar ciente dos problemas do mundo, de todos os sofrimentos existentes, da miséria, mas ver também a possibilidade de salvação. Creio que, graças a uma série de elementos, como o progresso tecnológico, o progresso científico, a globalização, etc., vê-se finalmente uma luz no fim do túnel. É claro, os gregos tinham escravos, mas o progresso humano nunca evoluiu uniformemente. Houve pouco progresso humano em 80 milhões de anos. Depois, na Mesopotâmia, há sete mil anos, o progresso foi extraordinário. A descoberta da escrita, da economia, da moeda, da astronomia. A astronomia permitiu viagens mais longas e trocas melhores. Depois, difundiu-se a idéia de que tudo que havia para ser descoberto já o havia sido. Aristóteles diz na Metafísica [nome dado às obras de filosofia primeiras colocadas depois da física]: “Tudo o que os homens podiam descobrir para seu bem-estar material e sua qualidade de vida já foi descoberto. É hora de nos dedicarmos ao progresso do espírito”. Portanto, havia a convicção de que o progresso fora esgotado e da disponibilidade das mais perfeitas máquinas já inventadas, ou seja, os escravos. Em Atenas, na Era de Péricles [século V a. C., apogeu da democracia ateniense], havia 40 mil homens livres, 20 mil metecos - estrangeiros naturalizados - e 350 mil escravos. Cada homem livre, em Atenas, tinha entre escravos, esposas e donas de casa, oito ou nove escravos à sua disposição. Hoje temos as lava-louças, as máquinas de lavar, elevadores, telefones... Calcula-se que tenhamos em média 33 escravos por pessoa.
Domenico de Masi RodaViva_1999_01_04
Trecho:
Domenico De Masi 1999
4/1/1999
Domenico De Masi fala de suas pesquisas, da realização trazida pelo trabalho e da necessidade do tempo livre, que traz benefícios para a saúde física e mental
Paulo Markun: Boa noite. Nas comemorações dos 30 anos da TV Cultura o Roda Viva traz hoje um convidado também especial. Ele já esteve aqui no programa em janeiro e resultou numa das maiores repercussões já tidas pelo Roda Viva. Conosco, esta noite, o sociólogo italiano Domenico de Masi, professor de sociologia do trabalho da Università della Sapienza, de Roma, que tem chamado muita atenção com suas idéias sobre as relações entre o homem e o trabalho. Como o professor De Masi, outros pensadores de importância já passaram aqui pelo Roda Viva, também, ao longo de sua existência. Nós trouxemos diversos pensadores e, com isso, o Roda Viva tem sido um centro de discussão de todas as áreas do pensamento humano. Antes de começar, vamos relembrar um pouco da memória do Roda Viva, vendo outros convidados internacionais, que já deixaram aqui suas idéias e suas polêmicas.
[Vídeo]
Exibição de vídeo com outros convidados internacionais e trechos de entrevistas.
Paulo Markun: Bem, as idéias de mundo, de futuro, de perspectivas de vida e de mudanças da nossa realidade também são os temas desta nossa rodada de hoje.
Para entrevistar o professor Domenico De Masi nós convidamos o jornalista Caco de Paulo, jornalista da revista Veja SP; o publicitário Washington Olivetto, presidente e diretor de criação da W/Brasil; o sociólogo Dante Silvestre Neto, gerente de estudos e desenvolvimento do Sesc/SP; a educadora Roseli Fichmann, professora de pós-graduação da Universidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie; a economista Cláudia Costin, secretária do Estado de Administração e Patrimônio do governo federal; o jornalista Gilberto Dimenstein, do jornal Folha de S. Paulo e o jornalista Marco Antônio de Resende, diretor de redação da revista VIP/Exame.
O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Hoje, infelizmente, você não pode fazer perguntas para o entrevistado, porque este programa foi gravado. O que, por outro lado, nos permite que nós acompanhemos todas as idéias do professor De Masi graças à técnica da tradução e da legendagem. Professor De Masi, boa noite.
Domenico De Masi: Boa noite.
Paulo Markun: Em janeiro, como já falei aqui, o senhor esteve neste programa e a repercussão foi absolutamente surpreendente para todo mundo. Mais de cinco mil fitas com a gravação desta entrevista foram vendidas. O livro que o senhor escreveu, A emoção e a regra[livro que analisa as estratégias e as formas organizacionais dos fenômenos criativos junto com a eficiência, publicado no Brasil em 1999], já está na quinta edição e o senhor já voltou ao Brasil para fazer mais palestras e para apresentar suas idéias com mais freqüência. Eu pergunto o seguinte: a que o senhor atribui essa repercussão? Por que o Brasil, na sua opinião, está tão interessado nas idéias que o senhor apresenta?
Domenico de Masi: Neste meu giro pelo Brasil, muitos me fizeram a mesma pergunta. A pergunta devia ser feita aos brasileiros e não a mim, pois quando alguém faz sucesso num programa corre o risco de se atribuir esse sucesso. Mas não é o caso.
De fato, o senhor notará que, na segunda vez, o sucesso será menor e, se houver uma terceira, o sucesso será menor ainda e os ouvintes acabariam se cansando [sorri]. Em parte, foi a novidade. Pela primeira vez, participei de um programa como este. Depois, porque é provável que haja uma relação objetiva entre minhas idéias e o que atualmente está surgindo num país extraordinariamente dinâmico como o Brasil. Existem momentos mágicos em que as idéias de algumas pessoas e as idéias latentes de todo um país podem coincidir [gesticulando].
Isso coincide também de forma mais ampla. Idéias semelhantes às minhas são difundidas por outros pensadores em vários pontos do mundo, e têm sempre mais sucesso, pois, objetivamente, a sociedade industrial está em crise e busca-se um modelo novo com o qual possamos conviver melhor.
Paulo Markun: Agora, nós que estamos nessa sociedade industrial em crise... O Brasil nem chegou lá, naquele ponto-limite de desenvolvimento da sociedade industrial e, ao mesmo tempo, sofre os problemas de ser um país subdesenvolvido ou em desenvolvimento, emergente — cada vez inventam uma nova palavra para explicar o mesmo problema—, e de outro lado, nós já começamos a sofrer os problemas e as crises da sociedade efetivamente pós-industrial.
Quer dizer, uma cidade como São Paulo, por exemplo, em que há enormes problemas de trânsito [pontuando com as mãos], de poluição, de segurança, de excesso de população, convive com a realidade de regiões do nordeste do país ou do centro-oeste onde não há, ainda, esse grau de desenvolvimento. O senhor acha que este tipo de idéia que o senhor traz, de alguma forma, pode significar um salto que permita a gente não ir até o fim da viagem, na direção deste desenvolvimento industrial?
Domenico De Masi: Bem, veja, o Brasil é um espelho do mundo, porque, em um só país, ele reproduz as contradições existentes no mundo inteiro. Creio que, se os problemas forem resolvidos no Brasil, será um modelo para o resto do mundo [gesticulando]. No próximo dia 11 de outubro, o planeta vai atingir 6 bilhões de habitantes. Isto representa uma população dez vezes maior que a do fim do século XVI.
E no mundo todo existem essas contradições. Cinco bilhões de pessoas, praticamente, vivem como nas favelas. E um bilhão vive como se vive na Avenida Paulista, aqui em São Paulo. Essas contradições existentes no mundo todo são encontradas aqui, num só país e, muitas vezes, numa mesma cidade. Isto é um ponto fraco e forte também.
Vocês têm, por exemplo, o desemprego pré-industrial, devido ao fato de que ainda não há a difusão de um trabalho do tipo moderno. Mas vocês já têm o desemprego pós-industrial, pelo fato de que as indústrias têm tal força de tecnologia, que devem dispensar cada vez mais pessoas. Eu repito: se os problemas se resolverem no Brasil, isto será o modelo para um terceiro caminho entre capitalismo e comunismo no mundo inteiro.
Marco Antônio de Rezende: Professor De Masi, embora o senhor seja um sociólogo e faça uma análise, digamos, científica desses sistemas, das relações de trabalho, o trabalho na era pós-industrial, eu tenho um amigo que comentou comigo que o senhor tem uma visão um pouco poética, às vezes.
E, talvez, ele tenha alguma razão, porque o senhor, sendo italiano, certamente soube que, dez dias atrás, foi assassinado na Itália o principal assessor do ministro do Trabalho. Foi assassinado por um grupo que reivindica a bandeira das Brigadas Vermelhas. Isso parece uma coisa tão antiga, terrorismo, Brigadas Vermelhas, uma coisa estranha.
Por outro lado, o fato de terem assassinado um assessor importantíssimo do ministro do Trabalho [professor Marco Biagi, assassinado em março de 2002. Cinco membros das Brigadas Vermelhas foram condenados à prisão perpétua pela morte em 2005], que não é um simples assessor como nós conhecemos aqui, era um economista muito preparado, que discutia todos os meses com cinqüenta pessoas, que representavam todos os segmentos, da indústria, do sindicato, do governo etc. Então, houve esse ato terrorista.
O senhor não acha que isso traz a discussão sobre o futuro do trabalho ou as relações trabalhistas da era pós-industrial ou ainda a perspectiva do tempo livre neste novo tempo, com novas tecnologias, que vão diminuir... Traz, para um escala humana, muito concreta... Ou seja, toda a revolução que está havendo na organização do trabalho, a introdução de novas tecnologias, tudo isso gera um desemprego...
Está gerando um desemprego que, para as pessoas que estão desempregadas, é um drama muito concreto, não é? E esse crime, agora, na Itália, das Brigadas Vermelhas, traz para uma dimensão dramática. Como resolver esta questão? Como resolver este problema? Como enfrentar o problema das pessoas que não estão encontrando emprego nessa nova era?
Domenico De Masi: O senhor está me dizendo várias coisas. A primeira é que minhas idéias podem ser acusadas de poéticas. Tenho uma grande admiração pelos poetas. Eles são a alegria da minha vida. Mas, infelizmente, não tenho o dom da poesia.
Minhas idéias têm sempre por base estudos muito precisos, muito demorados, muitas vezes levam anos, nos quais colaboram dezenas de meus colaboradores e colegas. Eu, com meus alunos na universidade, procuro incutir o hábito de basear qualquer afirmação sobre dados concretos, estatísticos, econômicos e sociais. Ante qualquer afirmação que um aluno meu faça, eu pergunto qual é a base estatística do que ele está dizendo [coloca a mão no queixo].
Hoje, é impossível enfrentar o mundo com idéias novas sem contar com a força das estatísticas. Os economistas, por exemplo, muitas vezes têm idéias muito erradas. Acredito que, daqui a algumas décadas, a obra dos economistas do século XX será lembrada como uma das obras mais negativas, sobretudo a partir de Keynes [John Maynard Keynes, criador da macroeconomia, que estuda o comportamento agregado das principais tendências da economia no que compreende a geração de produção e renda, principalmente], pois ele foi também um grande poeta.
Foi um homem que colaborou com o Grupo de Bloomsbury [grupo de artistas acadêmicos ingleses que existiu entre 1905 e o fim da Segunda Guerra Mundial], ao lado de Virginia Woolf, Forster, de Walessa e Strachey [escritores ingleses]. Ele tinha uma mente eclética. Casou-se com uma grande bailarina clássica. Portanto, encarava a economia como parte de um todo e tendia a resolver o todo, e não a parte.
Os economistas atuais nos aterrorizam com a matemática. Então, quem tem idéias diferentes deve ter a mesma base matemática e estatística, senão não é levado a sério. Desculpe [sorri] se me prolonguei demais sobre sua primeira afirmação.
A segunda parte se refere ao crime das Brigadas Vermelhas. Eu sou muito amigo do ministro do Trabalho italiano [Antônio Bassolino]. O ministro freqüentou muitas vezes minhas aulas quando eu ensinava na Universidade de Nápoles. Ele ainda era muito jovem. Eu conhecia o professor que foi assassinado. Colaborei muitas vezes em trabalhos similares aos do professor assassinado. Portanto, de certa forma, podia ter acontecido comigo.
Além disso, quando houve, nos anos de 1970, forte terrorismo na Itália, eu fui, pelo menos durante dois anos, alvo das Brigadas Vermelhas, pois eu ensinava abertamente aos meus alunos, em aula, a desconfiar do terrorismo. Acho que da morte não pode surgir a vida. E há tantos meios antes da violência. Claro, em certos casos, a violência é necessária. Mas é o último, o último, o último anel de uma longa corrente que pode ser percorrida, deve ser percorrida, toda, antes de se chegar à violência.
O crime italiano, porém, esse assassinato foi, infelizmente, uma das piores formas de despertar a conscientização sobre um fato real. Todos os jornais, por muitos dias, trouxeram em primeira página o assassinato do professor. Mas todo dia, não todo dia, mas muito freqüentemente, com certeza quase toda semana, um desempregado se suicida na Itália. Por ocasião do 1º de maio [Dia do Trabalho], promovi na TV italiana um encontro, um debate, justamente com Bassolino, o ministro do Trabalho. E assistimos na televisão a uma reportagem sobre uma senhora de Nápoles, cujo marido havia se suicidado poucos dias antes [coloca a mão no queixo]. Ele havia se suicidado por vergonha de dizer aos filhos que estava desempregado. Por vergonha de dizer que não podia lhes dar dinheiro. Aquela senhora dizia que as crianças pediam ao pai para ir ao cinema, para comprar um sorvete, mas, no fim, ele não agüentou e se suicidou. Agora, desses suicídios a imprensa não fala.
Não quero igualar as duas coisas, mas quero dizer que esse assassinato, esse homicídio italiano confirma que, diante do problema do emprego e desemprego, todos aqueles que têm o poder tomaram um rumo, um único rumo e percorrem sempre aquele. De acordo com esse rumo e essa idéia [junta as mãos], para sanar o desemprego é preciso incrementar os investimentos. Significa que o Estado deve auxiliar a empresa privada. É preciso reduzir os impostos das empresas. Dessa forma, o Estado terá menos dinheiro; com menos dinheiro, pode fazer menos pelo social. Portanto, pode dar menos escolas públicas, menos saúde pública, menos transporte e tudo mais.
E todo esse dinheiro que é tomado à redistribuição pública e social vai para as empresas que, além de tudo, encontram segmentos de mercado completamente livres e à sua disposição. Porque, se o Estado não cuida da saúde pública, a empresa privada pode lucrar com a saúde privada. Se não cuida do transporte, a empresa privada pode lucrar com o transporte privado. Então, as empresas têm novos incentivos, novas reduções fiscais, novos segmentos de mercado à sua disposição e, além disso, em função da tecnologia, demitem um número cada vez maior de pessoas.
Os Capitalismos de “Mercado” (a Crise - de 2008 até ? - demonstra que, no final, todos são de Estado) e de Estado (China, Cuba, URSS, etc.).
ResponderExcluirUma imagem para reflexão:
http://reflexeseconmicas.blogspot.com/2011/12/os-capitalismos-de-mercado-e-de-estado.html