domingo, 18 de janeiro de 2015

DE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho - Resumo




sábado, 16 de agosto de 2008

DE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho. Tradução: Eugênia Deheinzelin. São Paulo: Editora Esfera, 1999.


[Editado para facilitar leitura]

    "Se cada instrumento pudesse, a uma ordem dada, trabalhar por si, se as lançadeiras tecessem sozinhas, se o arco tocasse sozinho a cítara, os empreendedores não iriam precisar de operários e os patrões dispensariam os escravos." - Aristóteles

   "Acreditar que os trabalhadores substituídos pelas máquinas encontrarão inevitavelmente trabalho na construção dessas mesmas máquinas equivale a acreditar que os cavalos substituídos pelos veículos mecânicos poderiam ser utilizados nos diferentes setores da indústria automobilística." - Wassily Leontief.

   "A sociedade do desenvolvimento foi também uma sociedade do trabalho. A vida dos homens era construída em torno do trabalho(...). Pode-se até mesmo dizer que a figura do homem trabalhador representou o ideal desta sociedade. Resta-nos perguntar: o que irá acontecer quando - para citar Hannah Arendt -, à sociedade do trabalho, o próprio trabalho vir a faltar?" - Ralf Dahrendorf.



Dez Teses

   As dez teses advogadas neste ensaio são intrinsecamente simples, mas, em geral, postas de lado porque cheias de complexas implicações prática que desencorajam sua aceitação.

   O progresso humano nada mais é do que um longo percurso do homem rumo à intencional libertação, primeiro da fadiga física e depois da faina intelectual. 

   Em linhas gerais, na Pré-História, o trabalho foi empreendido por homens com a ajuda de alguns animais domésticos e de poucos utensílios primitivos. A partir da civilização mesopotâmica, entretanto, foi desenvolvido por escravos auxiliados por animais e por máquinas elementares como a roda. Na Idade Média, já era feito por servos da gleba e por artesões livres com a ajuda de animais modernamente arreados e de máquinas bastante sofisticadas como o moinho de água. 

   Na era industrial, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, foi executado por máquinas simples e automáticas, como as existentes na cadeia de montagem, que se relacionavam com executivos no contexto de uma organização científica. 

   No século XX, da década de 50 em diante, na fase neo-industrial, foi empreendido por operários , empregados, profissionais e gerentes auxiliados por equipamentos mecânicos e eletrônicos, como o computador, no contexto de uma organização flexível. 

   Finalmente, na nossa (P.7) sociedade pós-industrial, é feito por planejadores, que inventam, e por máquinas complexas como os robôs, que se incumbem das tarefas, no contexto de uma organização criativa. 

   Daí resulta uma sucessão de fases liberatórias

>  a que vai desde as origens até a Idade Média trouxe a progressiva libertação da escravatura; 

> a que vai da Idade Média até a primeira metade do século XX trouxe a progressiva libertação da fadiga; 

> a que teve início a partir da Segunda Guerra Mundial e na qual vivemos hoje visa à libertação do trabalho. 

   Em alguns casos como, por exemplo, na Idade Média e até mesmo, em grau menor, na América até o fim do século XVIII, as invenções tecnológicas e estruturais foram fomentadas pela necessidade de suprir a falta de escravos ou de proletários. (Ps. 7/8).

   Apesar de haver registro de casos históricos em que o desemprego conviveu com o excesso de oferta de trabalho, a longo prazo, porém, a tendência mostra outra situação. Acima de tudo o desemprego tende a depender de uma demanda por trabalho e de uma organização social (P.8) incapazes de se articular de forma mais propícia à valorização dos recursos humanos existentes. 

   Muitas vezes, a tecnologia e a organização são subutilizadas para não provocar o desemprego; outras tantas vezes se atrasa a libertação da fadiga ou do trabalho por duas razões. A primeira é a incapacidade de extrair da tecnologia e das ciências de organização todas as vantagens que elas estão em condição de oferecer. A outra razão é a incapacidade de redesenhar o sistema social, dando-lhe condições de valorizar o ócio ativo, isto é, a peculiaridade humana de introspecção, ideação, produção criativa, reprodução vital, jogo inventivo.

   Enquanto o sociedade greco-romana tinha aprendido a enriquecer de significados os poucos objetos à sua disposição, a sociedade industrial preferiu enriquecer-se de tecnologia para construir sempre mais objetos. Além disso, preferiu enriquecer-se de objetos tanto mais pobres de significados qualitativos quanto mais o consumismo almejava à multiplicação quantitativa deles.

   A trama entre inovação tecnológica e trabalho humano para produzir aquilo que o mercado de vez em quando deseja progride historicamente para que sempre menos trabalho humano seja preciso para fabricar sempre mais objetos e para prestar sempre mais serviços. No passado, eram as empresas em crise que cortavam o quandro de funcionários; hoje as empresas bem-sucedidas também (P.9) demitem os empregados porque podem se dar ao luxo de tecnologias mais sofisticadas e, portanto, mais aptas a substituir a mão-de-obra e a "mente-de-obra".

   Na sociedade industrial, o alastramento do consumo e a relativa lentidão do progresso tecnológico permitiram ao mercado de trabalho absorver a nova mão-de-obra criada pela superprodução e reabsorver a velha mão-de-obra, que com a introdução de novas máquinas se tornara excessiva. Na sociedade pós-industrial, entretanto, os avanços tecnológicos caminham a tal velocidade que o equilíbrio entre oferta e procura de trabalho fica definitivamente rompido, criando um crescente acúmulo de mão-de-obra em relação às reais exigências da produção. (Ps. 9/10)

   O contínuo crescimento dos desempregados, por um lado, leva os economistas do trabalho a elevar progressivamente o limiar de desemprego considerado fisiológico. (P. 11).

   Quando comparada à libertação da escravidão, que caracterizou a Idade Média, e à libertação da fadiga, que caracterizou a sociedade industrial, a libertação do trabalho, que irá caracterizar a sociedade pós-induistrial, delineia-se com traços peculiares. Posto que as máquinas se incumbirão de quase todo trabalho físico, assim como de boa parte do trabalho intelectual do tipo executivo, o ser humano irá guardar para si o monopólio da atividade criativa que, por sua própria natureza, dá muito menos (P.11) margem do que a atividade industrial para a alocação de tarefas e para a divisão entre tempo de trabalho e tempo livre. 

   De modo diferente do desemprego, que necessariamente é acompanhado pelos males da miséria e da marginalização, a libertação do trabalho admite formas de vida muito mais livre e felizes. Passam a existir uma riqueza mais bem distribuída, uma autodeterminação sobre as tarefas, uma atividade intelectual mais rica em conteúdos, maior importância dada à estética, à qualidade de vida, e maior espaço para a auto-realização subjetiva.

   A eventualidade de suprir a humanidade de bens e serviços de que ela precisa, com um uso mínimo de trabalho humano, implica a necessidade de se projetarem novas formas "políticas" de alocar as tarefas e de distribuir a riqueza.

   Tendo em vista que um número sempre maior de pessoas irá usufruir dos bens e serviços sem se envolver em sua produção, serão precisas novas formas de bem-estar (welfare), para atender às necessidades daqueles que não trabalham, e novas formas de gratificação, para atender às necessidades daqueles que trabalham.

   Dentro das organizações, a ciência de planejar e controlar as atividade dos "dependentes" terá de se converter, e bem depressa, na arte de motivar para a criatividade e para a remoção de barreiras das quais a burocracia sempre lança mão para impedir a expressão criativa. No âmago da sociedade atual, diante de um sistema composto sobretudo por "novos desocupados", isto é, de "libertos da escravidão do trabalho", a qualificação profissional para o trabalho criativo terá de funcionar em uníssono com o preparo profissional para o ócio ativo. (Ps. 11/12).

Livres e escravos na Grécia antiga

   Olhar o desemprego "demoradamente" e "de longe" implica percorrer os acontecimentos históricos seguindo um trajeto à primeira vista redundante. Contudo, não existe outro caminho para entender suas implicações para as teses antes expostas. Assim, em uma primeira etapa é preciso examinar a forma de trabalho mais aviltante adotada até agora pela humanidade: a escravidão e seu longo caminho rumo à abolição.

   Os gregos livre encaravam o trabalho dependente com o maior desprezo, bem como qualquer outra atividade que implicasse fadiga física, ou ainda qualquer atividade executiva. No tempo de Péricles, mesmo os mais humildes dos atenienses teria estremecido diante da palavra "executivo", hoje em dia alardeada com vaidade por muitos funcionários. Segundo Aristóteles e Platão, se comparada à produção de idéias, toda execução de objetos materiais - até mesmo a de obras-de-arte como as estátuas de Praxíteles - representava uma atividade de segunda ordem.

   Por sua vez, entre os trabalhos independentes vigorava uma rígida hierarquia de prestígio social na qual, por exemplo, o comércio era desprezado a ponto de ficar quase que totalmente relegado aos metecos. Platão, no parágrafo 2480 de Fedro, classifica as profissões em nove categorias dispostas nesta ordem decrescente de reconhecimento social: o filósofo, o bom rei, o político, o esportista, o adivinho, o poeta, o agricultor e o artesão, o demagogo, o tirano. (P. 13).

   ... em Atenas, a vida quotidiana era feita de pequenas coisas, primitivas e muito simples e, em vez de multiplicar ou melhorar os objetos de uso diário, os gregos se esmeraram na atitude de se contentar com poucos utensílios essenciais e na sabedoria de elevar-se por meio da arte e da mente para além das angústias materiais. (P. 16.)

   É surpreendente que homens capazes de criar obras-primas de arte até hoje inigualáveis, ou de elaborar sistemas filosóficos que ainda hoje continuam sendo a base da cultura ocidental, tivessem tão abertamente desleixado o próprio bem-estar material. Contentavam-se com o frescor de uma fonte, o perfil de uma colina, a sombra de um plátano para alcançar um estado de graça muito superior àquele que hoje nos dão os milhares de brinquedos mecânicos do consumo de massa. O prazer estético era tão apreciado que - conta Plutarco - alguns atenienses aprisionados na Sicília foram libertos "por terem ensinado a seus patrões o que lembravam das poesias de Eurípedes" (Nicia, XXIX, 4). A verdadeira riqueza dos gregos, portanto, não vinha da possessão de objetos úteis e de prestígio mas da capacidade de colher e degustar até o fim as sensações e os significados positivos inerentes aos objetos, aos acontecimentos, às idéias de todos os dias. (Ps. 16/17).

   Na Grécia do período clássico, em geral, apenas quatro em cada dez pessoas eram cidadão de pleno direito, que se dedicavam à política, à filosofia, à ginástica e à poesia, e que, materialmente, viviam à custa dos outros seis a quem eram relegadas todas as atividades de natureza material e de serviço. (P. 19).

Livres e escravos em Roma e na Itália

Ø Se os gregos desenvolveram a filosofia e a arte mais do que a tecnologia; os romanos desenvolveram a política e a administração mais do que as máquinas, isso resultou de um conceito de vida baseado no gosto pelas coisas simples, resultou da disponibilidade de escravos a quem relegar a fadiga física, resultou de uma cultura que, além de justificar a escravatura, exigia um altíssimo número de escravos. (P. 19).

   O papel da motivação

Ø Apesar da disponibilidade de escravos ter começado a escassear somente por volta do século IX, as causas dessa menor procura por trabalho escravo, que aliás se iniciara bem antes, devem ser procuradas em fatos como a atuação da Igreja, que apesar de não ter sido determinante foi sem dúvida relevante. Embora ela mesma tivesse escravos, condenasse suas insubordinações e, nos dizeres de alguns de seus destacados porta-vozes, justificasse a escravidão ao servir-se dela e torná-la cruel. Escreve Bloch: "Se libertar os escravos era sem dúvida uma boa ação, mantê-los sob o próprio domínio não era, apesar de tudo, uma má ação. É uma grande verdade que as libertações eram uma ação boa. Isso, porém, por si só, não explica sua freqüência. Ao contrário, se foi tão considerável era porque os patrões sem dúvida não ficaram alheios - era uma operação sem qualquer perigo, pois as circunstâncias econômicas da época somente enalteciam suas vantagens".

   Eis os motivos dessas vantagens. Antes de mais nada, o custo da manutenção dos escravos nos latifúndios tornou-se progressivamente superior ao custo da subdivisão dos latifúndios em pequenas propriedades entregues (P.26)  aos colonos para cultivo. Na medida em que a escravidão se constituía em uma condição de desgraça, a tendência natural dos escravos era fugir e se revoltar, assim como a reação dos patrões era exercer uma seleção e um controle muito severos. Os gregos costumavam matar os prisioneiros mais espertos e mais inteligentes porque se os escravizassem seria muito mais difícil frustrar suas tentativas de fuga ou de rebelião.

   Columela, por sua vez, destaca a dificuldade de empregar escravos inteligentes (e, portanto, capazes de fugir) na produção de vinho, porque a necessidade de acorrentá-los os incapacitava para certos movimentos indispensáveis àquele trabalho específico. Um exemplo claro do rígido controle dos patrões em relação a seus escravos pode ser visto numa velha lei romana, aplicada regularmente, que estabelecia que se um escravo tivesse matado dentro de casa seu próprio patrão, todos os demais escravos sob o mesmo teto seriam executados. (Ps. 26/27).

Ø Considerando as devidas diferenças, alguns dos motivos de ordem prática que levaram à libertação dos escravos e à transformação deles em camponeses e artesãos reaparecem na tendência corrente da empreitada ou da "terceirização" de algumas atividades - publicidade, propaganda, advocacia, processamento de dados, e assim por diante - antes empreendidas por funcionários internos a custos elevados e baixa qualidade. Outro paralelismo histórico significativo pode ser feito entre a proliferação de novas profissões e de pequenas empresas que teve lugar nos tempos medievais e o quadro bastante semelhante que se observa hoje em dia.(P.28)

   Resumindo, por volta do século IX, todas as peças do mosaica de motivos que conspiravam em favor da libertação dos escravos acabaram por se encaixar nos devidos lugares. Preencher a falta dos escravos tinha se tornado difícil, o preço tinha aumentado, a utilização da mão-de-obra escrava dava problemas e gastos e a libertação era aos olhos de Deus uma boa ação. Então, por que não lhes dar a liberdade? Em seu lugar, os servos da gleba podiam ser empregados e, para que os escravos não deixassem saudades, logo depois, entre os séculos X e XIII chegou o progresso tecnológico e com ele a substituição de muitos dos trabalhos do homem pelo trabalho mecânico.

   Daquela época em diante, a escravidão pouco a pouco desaparecerá na Europa e as desigualdades sociais, de fato ou de nascença, irão adquirir, para citar Bloch, um diapasão mais humano. Será preciso ir aos Estados Unidos para, até quase os dias de hoje, deparar-se com formas de escravidão tão cruéis quanto as da Antigüidade. Contudo (P.29), até na América, logo passaria a ser válida a afirmação de Adam Smith de que "o trabalho feito por homens livres acaba sendo mais barato do que aquele feito por escravos". 

   Além disso, o mesmo fenômeno iria se repetir também na América: abolida a escravidão, reduzida a possibilidade de impor aos trabalhadores livres ofícios cansativos demais, restava recorrer ao trabalho inorgânico, ao maquinismo, à organização científica. Na Europa da Idade Média, motivos sociais haviam levado à abolição da escravatura; nos Estados Unidos do final do século XIX, motivos bastante semelhantes conduziram à libertação industrial da fadiga e prenunciaram a libertação do trabalho, na era pós-industrial.

O progresso tecnológico na Idade Média e a "síndrome de Vespasiano"

Ø Hoje, o principal obstáculo à libertação do homem da escravidão do trabalho não é causado pelos atrasos da tecnologia, mas pelos atrasos da cultura. Por motivos de conveniência imediata, mas sobretudo por uma resistência às mudanças, tanto mais misteriosa quanto mais arraigada e autodestrutiva, o homem acaba não aproveitando as oportunidade de descanso que sua fértil imaginação lhe assegurou. O 'homo faber' transgride sistematicamente os valores do 'homo cogitans' e mais ainda do 'homo ludens', pois, em vez de diminuir, multiplica as razões da infelicidade humana, considerada "natural" por (p.30) muitos, e até uma ótima oportunidade dos seres humanos se penitenciarem. (Ps. 30/31).

Ø A idéia fixa de Bacon, à qual dedicará todos os esforços de sua vida, "consistia simplesmente em acreditar que o saber teria que dar seus frutos na prática, que a ciência deveria ser aplicável à industria, que os homens tinham o sagrado dever de se organizar para melhorar e para transformar as condições de vida".

   Para Bacon, era possível na prática - e portanto socialmente obrigatório - ganhar o pão sem o suor da fronte, aplicando o trabalho intelectual à vida prática de todos os dias (commercium mentis et rei), abrindo novas áreas para a conquista das ciências, avaliando a qualidade das coisas pelo seu grau de utilidade, confiando o progresso ao trabalho de equipes científicas, usando as descobertas científicas na produção industrial. Bacon tinha a sólida convicção de que nunca nada tinha sido mais útil para a humanidade do que as recentes descobertas da pólvora, da bússola e da imprensa. Nada mais restava, portanto, a não ser progredir no caminho da "ciência ativa" e de seu contínuo aperfeiçoamento. (P. 35).

Taylor e a eliminação do trabalho

Ø A grande indústria moderna surge na Inglaterra pelas idéias de Bacon, pela difusão do Iluminismo, pelo desenvolvimento científico e pela acumulação capitalista permitida pelo colonialismo. A necessidade de substituir a forma arcaica de trabalho proto-industrial por um sistema mais moderno, isto é, que produzissem mais com menos recursos humanos, surgiu por causa da crescente escassez de mão-de-obra e da exigência de trabalhadores mais motivados que não roubassem a matéria-prima, que cumprissem os prazos para a entrega de produtos acabados, que aproveitassem melhor a energia hídrica e a madeira para a combustão. 

   Da mesma forma que no fim da Idade Média a escassez de escravos e a necessidade de trabalhadores motivados levaram à adoção de novas tecnologias e ao surgimento do modo de produção proto-industrial, no fim do século XVIII, especialmente na Inglaterra, a escassez de proletários e a exigência de subordinados mais motivados levaram à mecanização da fiação e da tecelagem, que deu origem ao modo de produção industrial. Se a mecanização e a centralização representam seu âmago, a organização científica é sua mente.

   Todavia, o cerne da toda a questão continua sendo o eterno desejo humano de uma melhor qualidade de vida conquistada sempre com menos trabalho. De acordo com David S. Landes, que talvez seja seu mais respeitado historiador, a Revolução Industrial consiste naquele "complexo de inovações tecnológicas que, substituindo a habilidade humana por máquinas e o esforço físico de homens e animais por energia inanimada, possibilitaram a passagem do artesanato à manufatura,(P.39) criando assim uma economia moderna". 

   Por meio dela, o homem dá o importantíssimo passo seguinte rumo ao sonho de Aristóteles, isto é, otimizar, quase sua anulação, o denominador contido na fórmula da produtividade P/H, ou seja, quantidade de produtos dividido pelas horas/homem necessárias à sua produção. quando na fábrica totalmente robotizada da Benetton, por exemplo, for possível produzir roupa sem que nenhuma hora de trabalho humano tenha participado no ciclo produtivo, então o sonho ancestral terá sido realizado, mesmo se, por ironia do destino, os homens experimentem-no não como a libertação do trabalho, mas como o pesadelo do desemprego. (Ps. 39/40)

Ø O homem de Neanderthal - quando o planeta era povoado por apenas uns 20 milhões de habitantes - vivia uma média de 29 anos e dispunha aproximadamente de 4 mil calorias por dia. Em 1750 - quando a população total do planeta tinha chegado aos 600 milhões - o homem pré-industrial dos países mais ricos tinha uma média de vida de 35 anos e dispunha de 24 mil calorias por dia. Hoje, considerando que a Revolução Industrial já se cumpriu e que a sociedade pós-industrial tomou o seu lugar, os habitantes do planeta ultrapassam os 5 bilhões e cada habitante dos países ricos vive em média 75 anos, com 300 mil calorias/dias à disposição. (P. 41)

Ø Poucos gênios tiveram sobre o destino do homem, sobre sua libertação do trabalho uma influência tão profunda quanto Taylor. As suas idéias se tornaram o credo da sociedade industrial, o "código oculto" - nos dizeres de Alvin Toffler - que inspirou a conduta de povos inteiros por meio de seis princípios:

  • a padronização dos produtos, dos processos e da necessidades; 
  • a especialização das competências e das funções; 
  • a sincronização dos horários; 
  • a centralização dos poderes e das informações; 
  • a concentração dos recursos, das atividades e das pessoas; 
  • a tendência ao gigantismo das corporações. 


O objetivo implícito do desejo de aplicar os seis princípios pela sociedade industrial não se restringia apenas ao lucro e à riqueza, mas também ao eterno sonho de produzir e consumir sem trabalhar, como expresso na fórmula (P.44) da produtividade: lucro e riqueza, no fim das contas, não representam nada mais do que a medida em que nós nos aproximamos da realização deste sonho. (Ps. 44/45)

Adret: trabalhar duas horas por dia

Ø Chegou-se então a este ponto: não é o trabalho que está criando produtos, mas são os produtos que estão criando trabalho. Não se trata mais de trabalhar para produzir, mas de produzir para trabalhar. (P. 58)

Desemprego será uma boa

Ø Atualmente a questão que se coloca é a seguinte: a Terceira Revolução Industrial levará à sociedade do desemprego ou à do tempo livre? Libertará os homens dos trabalhos alienados ou os alienará ainda mais com a (P.62) inatividade forçada? Levará a uma nova idade de ouro quando será possível trabalhar sempre menos, dispondo, todavia, de uma massa de riquezas sempre maior, ou acabará por condenar alguns ao desemprego e outros à improdutividade?"

   A incrível capacidade das novas tecnologias em substituir o trabalho humano, o custo decrescente dos produtos, a saturação do mercado no que diz respeito aos automóveis, eletrodomésticos e assim por diante, a real possibilidade de trabalhar menos produzindo e ganhando mais (na Alemanha, entre 1950 e 1975, o poder aquisitivo por habitante quadruplicou, enquanto a jornada de trabalho diminuiu em 23%) se constituem - segundo Bosquet - em outros tantos fatores a favor de uma grande mudança, que leve à drástica redução dos horários, a uma melhor distribuição dos frutos do progresso tecnológico, à criação de um novo equilíbrio entre o tempo de trabalho e o tempo livre, concedendo a todos uma vida mais tranqüila e uma atividade mais gratificante.

   Porém, os países ricos optaram por outro caminho. Como o problema real deixou de ser o da produção para ser o da distribuição equânime tanto da riqueza como do trabalho necessário a produzi-la, eles fazem de conta que o problema principal é tornar ainda mais rápida a produção de bens. É claro que o resultado é um aumento do desemprego, cuja eventualidade não é considerada como premissa de uma alegre libertação do trabalho, mas como um espantalho para manter os trabalhadores disciplinados, com um rendimento eficiente e um comportamento competitivo. (P.63)

   "Para que os alicerces da ordem vigente não sejam abalados, é melhor que não se divulguem estas coisas. Será dito às pessoas que há o perigo do trabalho vir a faltar em vez de esclarecer que não é mais preciso se matar de tanto trabalhar. Será dito às pessoas que o monstro do desemprego está solto, em vez de explicar como e por que teremos sempre mais tempo livre. As promessas de automação serão apresentadas como ameaças ao posto de trabalho, tentar-se-á atiçar os trabalhadores para que briguem entre si pelos raros postos de trabalho que sobraram, em vez de estimulá-los a batalhar juntos por outra realidade econômica. De fato, o desemprego não é apenas uma conseqüência da crise mundial, é também uma arma para reinstituir a obediência e a disciplina nas empresas(...). Agora , uma coisa é certa: ninguém fará carreira na profissão que aprendeu; essa profissão será transformada, simplificada, desqualificada ou meramente suprimida pela microeletrônica. Todos, somos potencialmente um supranumerário". (Ps. 63/64)

"Workers of the word, be warned!" ["Trabalhadores do mundo, previnam-se!"]

Ø Três meses depois da publicação do artido de Accornero, a revista Newsweek (14 de junho de 1993) sai com a palavra Jobs na capa inteira e as frases bastante significativas: Trabalhadores do mundo, previnam-se! O futuro terá menos empregos para oferecer à classe média. As carreiras vitalícias serão raras. O treinamento será constante. (P. 68)

Ø Como já foi dito, durante muitos anos, se por um lado a tecnologia subtraiu postos de trabalho aos seres humanos, por outro conseguiu criar novos postos em maior escala. Para projetar e para construir máquinas, foram de fato necessários outros trabalhadores. Além disso, a riqueza obtida pelas máquinas foi revestida em outras empresas ou foi gasta no consumo; nos dois casos, direta ou indiretamente, contribui para criar novos trabalhos. Mas desde a chegada da eletrônica, esse equilíbrio foi rompido e os postos absorvidos pelas máquinas deixaram de ser substituídos por novos investimentos e por novos empregos. (P. 70)

Ø Porém, como as máquinas por mais sofisticadas e inteligentes que sejam nunca poderão substituir o homem no trabalho criativo, segundo a Newsweek a aventura da busca de trabalho terá maiores probabilidades de ser bem sucedida quanto mais o eventual trabalhador for capaz de oferecer serviços do tipo intelectual, científico, artístico, adequados às necessidades cada vez mais mutáveis e personalizadas dos consumidores. 

   "O futuro" - diz a Newsweek, com o consentimento de Accornero - "pertence (P.71) àqueles que serão capazes de usar a cabeça muito mais do que as mãos", isto é, pertence a quem se ocupar de análises de sistemas, de pesquisa, de psicologia, de marketing, de relações públicas, de tratamentos de saúde, de viagens, de jornalismos e de formação, muito mais do que (P.71) de guerra, frigoríficos, petróleo ou de sapatos. 

   Seja nos serviços, seja na indústria, a transição da produção padronizada para a personalizada comporta uma demanda maior por pessoas especializadas; as pessoas que produzem idéias são cada vez em maior número do que as pessoas que produzem coisas. A informação e o conhecimento oferecem a quem os detém muito mais oportunidades. Definitivamente, "o desafio será aumentar a eficiência do conhecimento". (Ps. 71/72).

Ø ... há uma tendência a mudar de carreira pelo menos seis vezes numa vida, não é preciso mais preparar os jovens para uma carreira específica, mas sim para um vida ativa na sua plenitude, tornando-os pesquisadores, cientistas, artistas, atletas, jornalistas: "Se você aprender alguma coisa hoje e continuar a fazê-la daqui a cinco anos, a única coisa da qual você pode ter certeza é que você estará fazendo algo errado". (P. 72)

O masoquismo dos indefesos

Ø Logo no começo destas reflexões nós nos perguntávamos como é possível que os gregos, que sem dúvida conheciam as noções básicas indispensáveis para dar o salto tecnológico dado pela humanidade muito mais tarde, na Idade Média e na sociedade industrial, se tivessem privado do progresso. Relembramos explicações de natureza econômica, sociológica, psicanalítica que, entretanto esclareceram apenas parte da questão.

   Agora nós nos perguntamos como é que os cidadãos dos países pós-industriais, desde os Estados Unidos até a Europa e o Japão, mesmo tendo descoberto sistemas tecnológicos tão poderosos que permitem a libertação propriamente dita do trabalho, teimem em preservar um comportamento social surgido em função da sociedade rural e da industrial, com horários de trabalho feitos para matar uns poucos de cansaço e deixar os outros desempregados. (P. 75)

   > Fernando IV costumava dizer que "é mais fácil perder um reino do que um hábito". 

   A humanidade prefere hoje em dia perder o reino da felicidade do que o hábito de trabalhar. 

Para derrotar mais rapidamente o sadomasoquismo dos incansáveis, Keynes sugere que nos asseguremos de quatro pré-requisitos dos quais depende o ritmo necessário para alcançar nosso destino de beatitude econômica: "a nossa capacidade de controle demográfico, a nossa determinação em evitar guerras e conflitos civis, a nossa vontade de confiar à ciência a gestão das questões que são de sua estrita competência, e a taxa de acumulação enquanto determinada pela margem entre produção e consumo. Uma vez atingidos os três primeiros pontos, o quarto resultará por si". Nesse meio tempo, recomenda Keynes, é preciso encorajar e experimentar "as artes da vida" tanto quanto as atividades que (P.77) hoje definimos como "compromissadas". Mas, acima de tudo, é preciso guardar-se de "supervalorizar o problema econômico ou sacrificar às suas necessidades atuais outras questões de maior e mais duradoura importância.

O sadismo dos machistas

Ø Portanto, um trabalho sui generis, ao qual não se podem aplicar categorias como greves e desemprego. Aliás, quando se fala de desemprego, faz-se sempre e somente menção ao trabalho produtivo. E é esse o tipo de (P.80) trabalho que está diminuindo a olhos visto, porque a riqueza não é mais diretamente proporcional ao tempo de fadiga humana que se gasta para produzi-la, mas diretamente proporcional à quantidade e qualidade de saber contido nos apetrechos tecnológicos aos quais é delegado o processo produtivo. 

   Ao contrário, o trabalho reprodutivo, por não poder ser facilmente delegado à tecnologia (tanto assim que ocupa cerca de 80 horas por semana das donas de casa dos países em desenvolvimento e cerca de 56 horas semanais das donas de casa dos países desenvolvidos), não diminui nem um pouco. Muito pelo contrário, aumenta com o crescimento das necessidades individuais e da complexidade social. (P. 81)

Ø Hoje quando a relação direta entre aumento da produção e aumento do emprego está definitivamente chegando ao fim, como é que iremos administrar essa situação inédita?

   Até Dahrendorf se fez esta pergunta: "A sociedade do desenvolvimento foi também uma sociedade do trabalho. A vida dos homens era construída em torno do trabalho. A educação era orientada como preparação para o mundo do trabalho, o tempo livre como descanso para novo trabalho, a aposentadoria como recompensa por uma vida de trabalho. 

   Além disso, o trabalho não era apenas considerado necessário para ganhar com o que viver, mas também como valor em si. Havia um orgulho no próprio trabalho e nas realizações no trabalho. A preguiça era severamente estigmatizada. Pode-se até mesmo dizer que a figura do homem trabalhador representou o ideal desta sociedade. Resta-nos perguntar: o que irá acontecer quando - para citar Hannah Arendt -, à sociedade do trabalho, o próprio trbalho vir a faltar?

   Acontece, respondemos nós, que a humanidade terá de escolher entre um sistema assustador, assombrado pelo desemprego, e um sistema alegre, liberto do trabalho. Então, por que será que, até hoje, essa humanidade parece preferir a primeira alternativa? 

   Porque - sugere Ravioli - a Segunda alternativa fatalmente implicaria "dar a cada um o tempo suficiente para suprir as necessidades da própria reprodução, e, portanto, proporcionar as condições para distribuir, de forma diferente e menos perversa, a carga de atividades familiares e domésticas (P.82) que recaem completamente sobre os ombros das mulheres, não importa se empregadas ou não no mercado (...). 

   Pois, em última análise, é esta a questão: relacionar de forma direta as duas funções sociais historicamente atribuídas aos dois sexos, abranger em um único olhar o masculino do produzir e o feminino do reproduzir; lê-los juntos e juntos decodificá-los no complicado entrelaçamento das determinações recíprocas que os une no contexto de uma realidade antropológica dada. Trata-se de aceitar ambos como partes integrantes do 'humano' que a história separou em dois papéis, duas identidades opostas e simétricas; enfim, de almejar a recuperação do indivíduo por inteiro".

    Isso posto, nessas belas reflexões da Carla Ravaioli estão a Segunda causa de uma resistência tão difundida à libertação do trabalho, sobretudo nos lugares onde o peso do trabalho é mais avassalador. reduzir o horário de forma drástica implicaria fatalmente a necessidade de colocar o problema do emprego levando em conta não apenas o trabalho produtivo que está em queda, mas também o trabalho reprodutivo que não diminui nunca.

   Implicaria fatalmente uma redistribuição das atividades para que os homens assumam também uma parte do trabalho doméstico, atualmente imposto às mulheres, e renunciem a uma parte do poder que a organização industrial lhes concedeu com exclusividade. Mas, afinal de contas, por que os homens, educados exclusivamente para a luta pelo poder, deveriam de repente achar agradável uma vida não mais voltada para a eficiência, a carreira, a competitividade?  (Ps. 82/83)

O americano, o japonês e o leão

Ø Podemos nos encaminhar rumo à conclusão de nosso discurso. A demanda pelo trabalho aumenta porque cresce o número dos seres humanos, aumenta o tempo de vida, ingressam no mercado de trabalho novas forças ativas que antes não participavam (mulheres, aposentados, inválidos, etc.); além disso, a facilidade dos deslocamentos físicos faz com que cheguem aos mercados mais ricos multidões de trabalhadores oriundos de mercados mais pobres. Por outro lado, a disponibilidade de trabalho diminui seja porque as novas tecnologias absorvem ofícios antes desempenhados por trabalhadores e por funcionários, seja porque o progresso das ciências da organização dos fatores produtivos. (P. 84)

Ø O capitalismo, como nós o conhecemos, é um sistema histórico com seus méritos e seus desméritos, nascido num dado momento do desenvolvimento humano por circunstâncias ainda em grande parte desconhecidas e que, num outro dado momento, irá morrer, dando lugar a novas e talvez melhores formas de convivência. 

   Tão histórico quanto a organização capitalista do trabalho é o conceito do desemprego que, antes da industrialização, era um total desconhecido. Esta organização, deixada por sua conta, tende a dividir claramente a população. Por um lado, trabalhadores hiperocupados até o enfarte, que dedicam a seus ofícios todo seu tempo de vida; do outro, os desempregados completamente excluídos do mundo da produção e, portanto, da sociedade civil, pois o trabalho é considerado o único passaporte para a cidadania. 

   Esse exército de metecos modernos aumenta a olhos vistos, tanto nos países avançados como nos poucos (P.85) países desenvolvidos e, em poucos anos, pode tornar-se a maioria da população. Talvez, então, em vez de pagar o trabalho, e não o tempo livre, como acontece hoje, será pago o tempo livre e se deixará trabalhar gratuitamente aqueles poucos que ainda teimam em fazê-lo. (Ps. 85/86)

Ø Será então preciso dispor de pessoas altamente motivadas, para realizar tarefas criativas, e qualificadas para gerir sozinhas o próprio tempo, reduzindo ao mínimo as barreiras burocráticas à criatividade. 

    Será preciso experimentar novos modelos de vida em que o trabalho físico e executivo residual seja confiado a todos os que tenham condições de desenvolvê-lo, obedecendo a novos horários e novos ritmos fixados para garantir o equilíbrio entre a oferta e a procura; a riqueza produzida pelas máquinas terá de ser redistribuída de forma equânime entre todos os cidadãos; a riqueza e os serviços produzidos (P.86) pelo intelecto terão de proporcionar aos criadores todas as satisfações necessárias para que se sintam gratificados pelas idéias já produzidas e para motivá-los a produzir outras mais. 

    Será preciso reeducar toda a população não só para o trabalho do qual se está libertando mas também para as atividades criativas, para o ócio ativo (o "desemprego criativo", diria Ivan Illich) ao qual terá de se acostumar.

    Quanto a verdadeira medida da riqueza não for mais o dinheiro disponível para o próprio consumo do supérfluo, mas o tempo do qual se dispõe para atividades livremente escolhidas, quando formos educados - como o Sócrates descrito por Platão no Fedro - para desfrutar intensamente das pequenas alegrias da vida diária e transformar minutos que passam em momentos que duram, então os problemas do emprego e do desemprego serão apenas uma feia lembrança e a libertação da fadiga terá se alastrado até abranger a total libertação do trabalho.  (Ps. 86/87)

Apêndice

Perspectivas econômicas para os nossos netos - Por John Maynard Keynes  (1930 !)

Ø Estamos neste momento sofrendo de um profundo ataque de pessimismo econômico. É bastante comum ouvirmos as pessoas dizerem que a época do enorme progresso econômico que caracterizou o século XIX está chegando ao fim; que agora a rápida melhora da qualidade de vida terá de se tornar mais lenta, pelo menos na Grã-Bretanha; que na próxima década é mais provável que a prosperidade decline em vez de florescer.

   Considero que esta seja uma interpretação completamente falha do que está acontecendo. Não estamos padecendo dos achaques da velhice, mas sim dos distúrbios de um crescimento feito de mutação rápidas demais e das dores da readaptação de um período econômico para outro. A eficiência técnica se intensificou progressivamente num ritmo mais rápido do que aquele com o qual conseguimos solucionar o problema de absorver a mão-de-obra. A melhoria da qualidade de vida foi um pouco rápida demais; o sistema bancário e monetário do mundo impediu que a taxa de juros caísse com a velocidade necessária a um reequilíbrio. (P. 89)

Ø A depressão que domina o mundo, a atroz anomalia do desemprego num mundo repleto de necessidades, os erros desastrosos que cometemos nos deixam cegos diante do que está acontecendo sob a superfície, isto é, diante do significado das verdadeiras tendências do processo. Quero na verdade dizer que as duas vertentes opostas de pessimismo, que hoje em dia provocam no mundo tamanho barulho, vão se provar errôneas no decorrer de nossa geração: o pessimismo dos revolucionários, que pensam que as coisas andam mal que nada poderá nos salvar a não ser uma reviravolta violenta; e o pessimismo dos reacionários, que consideram o equilíbrio da nossa vida econômica  (P.90) e social instável demais para que possamos arriscar novas experiências. (Ps. 90/91)

Ø Desde os tempo mais remotos dos quais temos conhecimento - digamos de dois mil anos antes de Cristo -, até o início do século XVIII, o nível de vida do homem médio, que vivia nos centros civilizados do mundo não passou por grandes mudanças. Com certeza, teve altos e baixos. Aparecimento de epidemias, carestias, guerras e intervalos áureos. Mas nenhum salto para a frente nenhuma mudança brusca. Nos quatro mil anos que se concluíram mais ou menos por volta do ano de graça de 1700, alguns períodos conseguiram registrar uma melhora de 50% (no melhor dos casos de 100%) em relação aos outros.

    Essa taxa lenta de progresso, ou melhor, essa falta de progresso, tinha duas razões de ser: a ausência visível de invenções técnicas relevantes e a inexistência de acumulação do capital.

   A ausência de grandes invenções técnicas entre a era pré-histórica e os tempos relativamente modernos é realmente digna de nota. Quase tudo aquilo de substantiva importância que o mundo possuía no início da Idade Moderna já era conhecido pelo homem desde o alvorecer da história: a linguagem, o fogo, os mesmos animais domésticos que temos hoje, o trigo, a cevada, a videira e a oliveira, o arado, a roda, o remo, a vela, as peles, o tecido e o pano (P.91), os tijolos e a cerâmica, o ouro, a prata, o cobre, o estanho, o chumbo e o ferro, que a eles veio se acrescentar, antes de 1000 a.C., o sistema bancário, a arte de governar, a matemática, a astronomia e a religião. Não temos conhecimento de quando o homem teve pela primeira vez essas coisas na mãos.

   Em uma dada época, anterior ao início da História, talvez durante um dos intervalos favoráveis que precederam a última época glacial, deve ter existido uma era de progresso e de invenções que se possa comparar à que vivemos hoje. Mas, no decurso de quase toda a História propriamente dita, nunca se viu coisa igual. (Ps. 91/92)

Ø A partir do século XVI, começou e continuou, em ininterrupto crescimento até o século XVIII, a grande era das inovações científicas e técnicas que, a partir do início do século XIX, resultaram em avanços inacreditáveis: carvão, vapor, eletricidade, petróleo, aço, borracha, algodão, indústrias químicas, máquinas automáticas e sistemas de produção de massa, telégrafo, imprensa, Newton, Darwin (P.93), Einstein e milhares de outras coisas e homens famosos e conhecidos demais para serem lembrados. (Ps. 93/94)

Ø Chego à conclusão de que, deixando de lado a eventualidade de guerra, de crescimentos demográficos excepcionais, o problemas econômico pode ser solucionado, no decorrer de um século [= 2030 ! ]. Isto quer dizer que o problema econômico não é, se olharmos para o futuro, o problema permanente da espécie humana.

   Mas por que, poderão perguntar, isso é tão desconcertante? É desconcertante porque, se em vez de olhar para o futuro, nós nos voltarmos para o passado, veremos que o problema econômico, a luta pela subsistência sempre foi, até o presente momento, o problema principal, o mais premente para a espécie humana, aliás, não apenas para a espécie humana, mas para todo o reino biológico, desde as origens da vida em suas formas mais primitivas. (P.96).

   Assim, nossa evolução natural, com todos os nossos impulsos e os nossos mais profundos instintos, aconteceu com o intuito de solucionar o problema econômico. Uma vez solucionado, a humanidade ficaria privada do seu objetivo tradicional.

   Isso será um bem? Se acreditarmos, por pouco que seja, nos valores da vida, descortina-se a possibilidade que se torne um bem. Todavia, eu penso com pavor no rendimento de hábitos e instintos enraizados nele por gerações incontáveis e cujo abandono lhe será proposto no decorrer de algumas décadas.

   Para usar a linguagem moderna, talvez devêssemos esperar por um "colapso nervoso" generalizado? Já tivemos uma pequena experiência do que eu quero dizer, isto é, um colapso nervoso semelhante ao fenômeno já bastante freqüente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos entre as mulheres casadas das classes abastadas, mulheres em sua maioria infelizes, que a riqueza privou das tarefas e das ocupações tradicionais; mulheres que não conseguem se interessar o bastante pela cozinha, pela limpeza, pela costura, quando lhes falta o estímulo da necessidade econômica e que, contudo, são totalmente incapazes de inventar qualquer coisa de mais divertido.

   Para quem luta pelo pão de cada dia, o tempo é um prazer cobiçado até o momento em que o alcança. Lembremos o epitáfio que uma velha faxineira escreveu para sua lápide:

   "Não vistam luto, amigos, não chorem por mim, que finalmente não farei nada, nada pela eternidade afora".

   Aquilo era ser paraíso. Como outros que aspiram ao tempo livre, a faxineira imaginava apenas o quanto seria (P.97) lindo passar o tempo como espectador. Havia mais dois outros verbetes no epitáfio:

   "O paraíso ressoará de salmos e de músicas suaves, mas eu não farei esforços para cantar".

   Todavia, a vida será suportável somente para os que participam do canto. E quão poucos de nós sabem cantar!

   Assim pela primeira vez desde sua criação, o homem estará diante de seu verdadeiro e constante problema: como empregar sua libertação das agruras econômicas mais prementes, como empregar o tempo livre que as ciências e os juros compostos lhe granjearam, para viver bem, de forma agradável e sábia?

   Os incansáveis e decididos criadores da riqueza poderão levar todos nós junto com eles para o seio da abundância econômica. Porém, somente poderão gozar de abundância, quando esta chegar, aqueles que souberem manter viva a arte da vida e levá-la à perfeição, e que não se venderem em troca dos meios de vida.

    No meu entender, entretanto, não existe um único país ou povo que possa encarar sem pavor a era do tempo livre e da abundância. Aliás, por tempo demais fomos treinados a fatigar em vez de gozar. Para o homem comum, desprovido de talentos especiais, o problemas de se empenhar numa ocupação é assustador, sobretudo se não tem mais raízes na terra, nos costumes ou nas convenções prediletas de uma sociedade tradicional. 

    A julgar pela conduta e pelos resultados das classes ricas de hoje, em que qualquer lugar do mundo, a perspectiva é realmente deprimente. Essas classes, na verdade, são, por assim dizer, a nossa vanguarda. São os que exploram para nós a terra prometida e nos preparam o terreno. E, na sua maior parte (P.98), os que têm uma renda independente, mas nenhum compromisso, vínculo ou associação, foram submetidos, assim me parece, a uma derrota fragorosa na tentativa de resolver a questão que estava em jogo.

   Tenho certeza de que, com um pouco mais de experiência, nós nos serviremos do nosso generoso dom da natureza de forma completamente diferente dos ricos de hoje e traçaremos para nós um plano de vida totalmente diverso, que não tem nada a ver com o deles. 

    Ainda por muitas gerações, o instinto do velho Adão continuará tão forte dentro de nós que precisaremos de "algum" trabalho para ficarmos satisfeitos. Faremos, para servir a nós mesmos, mais coisas do que costumam fazer os ricos de hoje e ficaremos mais do que contentes de ter obrigações, deveres e rotinas a cumprir. 

    Mas, além disso, teremos de nos empenhar com cuidado para compartilhar desse "pão" a fim de que o pouco trabalho que ainda resta seja distribuído entre o maior número possível de pessoas. Turnos de três horas e semana de trabalho de quinze horas podem manter o problema sob controle por um longo período. Três horas de trabalho por dia são de fato mais do que suficientes para apaziguar o velho Adão que está em cada um de nós.

   Teremos de esperar por mudanças também em outras áreas. 

   Quando a acumulação de riqueza deixar de ter um significado social importante, acontecerão mudanças profundas no código moral. Teremos de saber nos libertar de muitos dos princípios pseudo morais que supersticiosamente nos torturam por dois séculos e pelos quais enaltecemos como virtudes máximas as qualidade humanas mais desagradáveis. Precisaremos ter a coragem de atribuir à motivação "dinheiro" seu verdadeiro (P.99) valor. 

    O amor ao dinheiro como propriedade, diferente do amor pelo dinheiro como meio de aproveitar dos prazeres da vida, será reconhecido por aquilo que é: paixão doentia, um pouco repugnante, uma daquelas propensões meio criminosas e meio patológicas que, com calafrio, costumamos confiar a um especialista em moléstias mentais. 

   Ficaremos, finalmente, livres para nos desfazermos de todos os hábitos sociais e das práticas econômicas referentes à distribuição da riqueza e às recompensas e penalidades econômicas que hoje mantemos a todo custo, apesar de serem desagradáveis e injustas, da sua inacreditável utilidade em fomentar a acumulação do capital. 

    Naturalmente, continuarão a existir muitas pessoas dotadas de ativismo e do senso de compromissos intensos e insatisfeitos, que cegamente irão perseguir a riqueza a não ser que consigam achar substituto válido. Mas não teremos mais a obrigação de louvá-las e encorajá-las porque saberemos perscrutar, mais a fundo do que hoje nos é permitido, o significado real desse "compromisso".

   "Compromisso", aliás, significa preocupar-se mais com os futuros resultados de nossas ações do que com sua qualidade ou com seu efeito imediato sobre nosso meio. O homem "comprometido" sempre tenta assegurar às suas ações uma imortalidade espúria e ilusória, projetando para o futuro o interesse que nelas coloca. 

   Não ama seu gato nem todos os gatinhos dele, mas ama os filhos dos gatinhos e toda sua geração, até que exista a estirpe dos gatos. Para ele, a geleia não é uma geleia a não ser que seja a de amanhã, nunca a de hoje. E assim, projetando para o futuro sua geleia, tenta assegurar imortalidade ao trabalho com que foi preparada. (Ps. 96/97/98/99/100)

Ø Talvez não seja por acaso que a espécie de humanos que mais se empenhou para enraizar a promessa de imortalidade no coração e na natureza de nossas religiões seja também a que mais do que qualquer outras se empenhou pelos princípios dos juros compostos e a que mais está "comprometida" com as instituições humanas.

   Assim, vejo os homens livres se voltarem para alguns dos princípios mais sólidos, autênticos e tradicionais, da religião e da virtude: a avareza é um vício; a prática da usura, um crime; o amor pelo dinheiro, desprezível; quem menos persegue o dinheiro trilha verdadeiramente o caminho da virtude e da profunda sabedoria. 

    Daremos novamente mais valor aos fins do que aos meios e preferiremos o bem ao útil. Prestaremos homenagem a quem souber nos ensinar a acatar a hora e o dia com virtude, àquelas pessoas maravilhosas capazes de extrair um prazer direto das coisas , como dos lírios do campo que não semeiam e nem tecem.

    Mas cuidado! O momento ainda não é chegado. Pelo menos outros cem anos [até 2030 !] deveremos fingir para nós mesmos e para todos os outros que o certo está errado e o errado está certo, porque aquilo que está errado é útil e o que é certo não é. Avareza, agiotagem, prudência têm de ser nosso lema ainda por um pouco de tempo, porque somente esses princípios podem nos tirar do subterrâneo da necessidade econômica para a luz do dia. (P. 102)

Ø O ritmo com o qual podemos alcançar o nosso destino de beatitude econômica dependerá destes quatro fatores: a nossa capacidade de controle demográfico, a nossa determinação em evitar guerras e conflitos civis, a nossa vontade de confiar à ciência a gestão das questões que são de sua estrita competência, e a taxa de acumulação enquanto determinada pela margem entre produção e consumo. Uma vez atingidos os três primeiros pontos, o quarto virá por si.

   Será oportuno, no entanto, se engajar em alguns modestos preparativos no que diz respeito ao nosso destino, experimentando as artes da vida tanto quanto as atividades que hoje definimos como "empenhadas".

 Mas, acima de tudo, evitemos supervalorizar o problema econômico ou sacrificar às suas necessidades atuais outras questões de maior e mais duradoura importância.

 Deveria ser um problema para especialistas, como tratar dos dentes. Se os economistas conseguissem ser vistos como gente humilde, de competência específica, tal como os dentistas, seria maravilhoso. (P. 103)

Alternativas:

Tradução colaborativa do livro: 

Os Robôs [1] Vão Roubar o Teu Emprego, Mas Tudo Bem

Como sobreviver ao Colapso Econômico e Ser Feliz

[1] Automação e Inteligência Artificial


http://robosvaoroubarteuempregomasok.blogspot.com.br/

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