Juros, rentismo e desenvolvimento
Introdução
No decorrer de 2011, o governo federal gastou com o pagamento de juros da dívida interna a imensa quantia de R$169,9 bilhões. Esta quantia corresponde a mais de duas vezes o valor gasto com a área de saúde e cerca de três vezes o valor gasto em educação [2].
Por absurdo que pareça, não se trata de algo extraordinário, mas sim de um fato recorrente, observado ao longo de muitos anos em nosso país. As elevadas taxas de juros [3], fixadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, resultam em enorme transferência de renda da sociedade, especialmente dos mais pobres, para uma parcela minoritária da população, detentora da riqueza financeira.
Para fazer frente a estas despesas com juros, o governo federal busca, de um lado, ampliar continuamente as receitas com arrecadação de tributos e, de outro lado, comprimir os gastos públicos não financeiros, tais como, aqueles com educação, saúde, reforma agrária, investimento em infraestrutura etc. Nestes termos, os mais pobres são duplamente atingidos.
Ademais, as elevadas taxas básicas de juros praticadas em nossa economia geraram um ambiente de baixo crescimento econômico, uma vez que se refletiam no custo de financiamento do investimento e do consumo, isto é, no custo do crédito, que se situava em patamar praticamente impeditivo à sua utilização de forma ampliada.
Refletiam-se, também, devido à pressão da entrada de dólares de aplicadores em busca dos ganhos financeiros fáceis, numa taxa de câmbio valorizada, altamente nociva à indústria e ao emprego nacional.
Assim, como decorrência, foi sendo estabelecido um padrão de acumulação baseado nos ganhos financeiros de curto prazo - fortemente favorável aos detentores da riqueza financeira, em detrimento dos demais segmentos da sociedade. Nesse contexto, as organizações financeiras, especialmente os bancos, também não cumpriam sua função fundamental de assegurar o crédito ao setor produtivo e ao consumidor, uma vez que cobravam taxas de juros exorbitantes e davam preferência pela não realização de operações de crédito de médio e longo prazo. Apenas os bancos públicos, em especial o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), buscavam suprir a demanda por financiamentos de longo prazo.
A alternativa de retorno praticamente garantido e em níveis elevados das aplicações em títulos públicos tornava a opção por investimentos produtivos em alternativa pouco atrativa. Mesmo as empresas não financeiras, como as industriais e de serviços em geral, passavam a aplicar crescentemente seus recursos em ativos financeiros, tornando esta uma importante fonte de ganhos, paralelamente àqueles obtidos em suas atividades-fim. Este estado de coisas gerou uma atrofia da economia brasileira, caracterizada, entre outros aspectos, pelos baixos níveis de investimento e crescimento econômico e pela concentração da renda, basicamente alimentada pelo rentismo, ou seja, pela prevalência do setor financeiro sobre o setor produtivo e do ganho fácil através de aplicações financeiras.
O maior crescimento econômico com alguma distribuição de renda, observado na segunda metade dos anos 2000, encobriu, de alguma forma, a manutenção desta lógica rentista. Contudo, no contexto de crise internacional, evidenciou-se, mais uma vez, ser fundamental enfrentar o desafio de ampliar ainda mais o mercado consumidor interno brasileiro bem como os níveis de investimento, para dar sustentação prolongada ao crescimento econômico. Nestes termos, enfrentar o gargalo da escassez do crédito, principalmente o de longo prazo, e o elevado custo do dinheiro no país tornou-se crucial e vem motivando o governo federal a adotar uma série de medidas visando atingir tais objetivos.
As sucessivas reduções da taxa básica de juros (conhecida como Taxa Selic) desde meados de 2011; a mudança no perfil da dívida pública com redução do peso dos títulos com rendimento atrelado à Selic; a crítica às elevadas taxas de juros cobradas pelos bancos sobre empréstimos e a recente redução dessas taxas pelos bancos públicos estão sendo consideradas, pelo governo, como o início de transformações mais profundas nas bases de financiamento da economia, visando o barateamento dos investimentos e a busca de um novo patamar da taxa de câmbio que estimule a produção doméstica.
A perspectiva de garantir crescimento econômico sustentado e desenvolvimento social exige que se avance firmemente na construção de uma nova ordem para o sistema financeiro. Em especial no que se refere à redução dos juros básicos e do spread (diferença entre a taxa de juros que o banco paga para captar recursos e a taxa que ele cobra nos empréstimos a pessoas físicas e empresas). É bom lembrar que a queda na taxa básica de juros deve, em condições normais, induzir à redução das demais taxas praticadas no mercado. Assim, para que tenham efeitos positivos, as medidas devem orientar-se pela diretriz de alavancar recursos para o investimento produtivo, desmobilizar aplicações especulativas e criar fundos de investimento de longo prazo, bem como reduzir os gastos com a remuneração da dívida pública, liberando recursos para o Estado investir em infraestrutura econômica e social.
Caso obtenha sucesso, a estratégia poderá abrir caminho para uma nova base de sustentação do crescimento econômico. Atuará positivamente, também, na redução das taxas de juros pagas pelos trabalhadores no consumo, no empréstimo consignado, no parcelamento de faturas de cartões de crédito e no cheque especial, bem como na redução do montante final de suas dívidas, atenuando a transferência de renda ao setor financeiro que daí decorre.
As últimas medidas anunciadas pelo Governo Federal quanto à Caderneta de Poupança foram apresentadas como parte dessa estratégia. Com o intuito declarado de possibilitar a continuidade do processo de redução da taxa básica de juros, foram alteradas as regras de remuneração da Caderneta para os depósitos realizados a partir de 4 de maio de 2012. Sem as alterações, a remuneração garantida anteriormente para essa aplicação funcionava como um obstáculo à queda da Selic. Para percentuais inferiores a 8,5% ao ano, uma vez que a Poupança garantia rendimentos equivalentes à variação da Taxa Referencial (TR) [4] mais juros de 6,17% ao ano [5], sem incidência de imposto de renda e de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e com possibilidade de resgate a qualquer momento. Como o governo não pode abrir mão de captar recursos através da venda de títulos da dívida pública - que são remunerados pela taxa Selic e têm prazo de resgate mais longo - torna-se necessário garantir, mesmo com a queda da taxa básica, que o rendimento desses títulos se mantenha superior ao rendimento da Caderneta de Poupança. Caso contrário, poderia haver uma migração dos aplicadores para a Poupança, criando dificuldades para o (re)financiamento da dívida pública.
Segundo o governo, as alterações no rendimento da Caderneta de Poupança estão em consonância com regras utilizadas em países desenvolvidos, no que tange à remuneração desse tipo de aplicação. Na avaliação governamental, os efeitos positivos da mudança são maiores e mais consistentes com a estratégia de desenvolvimento do que o impacto da redução da remuneração para as novas aplicações em poupança. Nessa perspectiva, a medida é tida como necessária para a construção de novas bases de financiamento para a economia, posicionando o Brasil de maneira semelhante às economias desenvolvidas, com níveis de juros reais que não inibam o crescimento.
3 Durante muitos anos, o país deteve o vergonhoso título de campeão mundial das taxas de juros.
4 A Taxa Referencial – TR é um indexador. Foi criada no Plano Collor II, na tentativa de desindexação da economia, para ser uma taxa básica referencial dos juros a serem praticados no mês vigente e que não refletisse a inflação do mês anterior. O valor (%) da TR é obtido a partir das taxas médias mensais ponderadas e ajustadas (retiram-se as duas maiores e as duas menores taxas) dos CDBs Certificados de Depósito Bancário) e RDBs (Recibos de Depósito Bancário), prefixadas, de 30 instituições financeiras selecionadas. Sobre a média apurada das taxas pagas pelos CDBs/RDBs, aplica-se um redutor para “extrair” os juros reais e a tributação incidente. Em 1993, a TR foi de 2.474,73% a.a.. Em 2011, foi de 1,21% a.a.. (Bacen).
5 A taxa de 6,17% a.a. corresponde a 0,5% ao mês, acumulados em 12 meses.
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Spread e juros bancários
Introdução
O desempenho da economia brasileira nos últimos anos e, principalmente, a perspectiva de crescimento por meio do investimento público e privado e do consumo das famílias, além do reaquecimento do mercado de trabalho, abrem espaço para a discussão em torno da expansão do crédito como forma de continuar alavancando o crescimento para os próximos anos. Nesse sentido, o custo do dinheiro assume importância na tomada de decisão das empresas na expansão do investimento produtivo e em infraestrutura, assim como das famílias nos gastos de consumo. Entretanto, as taxas de juros bancárias no Brasil são extremamente elevadas, bem como o spread. Isso é facilmente verificado quando a comparação é feita com padrões internacionais.
Esta Nota Técnica tem como objetivo levantar, debater e justificar a necessidade de reduzir o spread bancário, o que contribuiria para diminuir as taxas de juros praticadas no Brasil.
A importância da redução do spread na economia brasileira
O crescimento econômico experimentado pela economia brasileira nos últimos anos tem sido sustentado graças ao mercado interno, com o aumento da massa salarial e do consumo das famílias, por intermédio do mercado de trabalho e da expansão das operações de crédito bancário, respectivamente.
Segundo as informações do Banco Central do Brasil (BCB), a relação crédito/PIB manteve uma trajetória de expansão mesmo após os impactos da crise financeira mundial de 2008/2009 - Gráfico 1. Em janeiro de 2012, o volume de crédito no Brasil alcançou o patamar de 48,8% em relação ao PIB, dobrando a participação em relação ao que representava em janeiro de 2004. O aumento do crédito no país acompanhou a evolução da demanda interna, impulsionada, especialmente, pelo dinamismo do mercado de trabalho. Nesse contexto, além da expansão dos empréstimos com recursos livres, as carteiras de crédito com recursos direcionados, operadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e os créditos habitacionais foram incentivados pelas iniciativas de investimento do governo federal, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o “Minha Casa, Minha Vida”.
(...)
Por outro lado, apesar do crescimento do crédito em relação ao PIB, os dados do Banco Mundial (Gráfico 2) revelam que a situação do Brasil ainda está muito distante da realidade de outros países. Pela metodologia, que contempla alguns ativos financeiros não considerados nos cálculos do BCB, em 2010, o volume de crédito ao setor privado no país alcançou 57% do PIB, percentual aquém do apresentado pelos países desenvolvidos. (Como, por exemplo, Dinamarca e Japão, com relação crédito/PIB de 225% e 169,2% respectivamente) e pelos emergentes (África do Sul e China, 145,5% e 130,0%, respectivamente), apesar de se situar acima de países como Índia (49,0%), México (24,6%) e Argentina (14,6%).
Assim, um dos desafios para preservar a trajetória de crescimento da economia brasileira, com base no mercado interno, passa pela ampliação da oferta de crédito para volume e padrões internacionais. Entretanto, são evidentes as fortes barreiras para se alcançar estes patamares. Juros altos e spreads abusivos, sem qualquer correspondência com a taxa de juros básica (Selic) e o custo de captação, tanto no mercado interbancário quanto externo, impedem maior expansão do crédito.
É possível constatar essa realidade por meio da comparação do nível médio do spread bancário da economia brasileira com alguns países selecionados. Em linhas gerais, o spread bancário consiste na diferença entre o custo de aplicação e de captação dos bancos.
A comparação revela que há um descolamento entre os percentuais de spreads praticados no Brasil em relação às economias com condições similares àquelas aqui observadas.
Segundo dados do BCB, em janeiro de 2012 enquanto a taxa média paga para aplicações financeiras no Brasil estava em 38,0% ao ano, a taxa média de captação era de 10,2% ao ano, resultando em um spread de cerca de 27,8 pontos percentuais ao ano, distante da realidade e dos spreads bancários praticados em algumas economias latino-americanas como: a Argentina, 3,39 p.p ao ano; Chile, 4,49 p.p a.a.; México, 3,82 p.p ao ano; Colômbia, 7,37 p.p a.a.; Bolívia, 9,61 p.p a.a., de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) - Gráfico 3.
Fonte: BCB e FMI (International Financial Statistics)
Nota: Os spreads foram calculados a partir da diferença entre lending rate e deposit rate. Para Uruguai, Paraguai e China os dados referem-se ao ano de 2011. Para o spread brasileiro utilizou-se o dado do Banco Central do
Brasil
Elaboração: DIEESE – Rede Bancários
Conforme observado no Gráfico 3, quando comparado aos patamares de outros países emergentes, o spread brasileiro mostra-se bastante elevado. Ainda de acordo com dados do FMI, a China, por exemplo, apresentou spread de 3,06 p.p a.a., em dezembro de 2011; a Rússia e a África do Sul apresentam, em 2012, respectivamente, spreads de 3,0 p.p a.a. e 3,48 p.p a.a., níveis bastante inferiores aos praticados no Brasil.
Apesar de o Brasil estar muito abaixo do volume de crédito do setor privado em relação ao PIB dos países desenvolvidos, o spreadbrasileiro, comparado ao de países da América Latina e aos Brics (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China), está em nível muito mais elevado. Reduzir o spread significa trazê-lo aos padrões praticados em nível internacional e, por consequência, ampliar o espaço para a elevação do crédito voltado ao consumo e investimento, com prática de juros menores do que os atuais.
O elevado patamar do spread bancário no Brasil
A taxa de juros bancária é variável de suma importância para diversos segmentos da sociedade, visto que o custo do dinheiro afeta de forma distinta a vida de empresários e trabalhadores, determina decisões de investimento (publico e privado) e consumo, onera o orçamento público, contribuindo, enfim, para constituir a dinâmica econômica do país. Assim é fundamental compreender os motivos pelos quais o spread no Brasil, como demonstram as taxas de juros bancárias, se encontra em patamar tão elevado onerando de forma expressiva os custos do capital de giro e da produção das empresas, bem como o orçamento das famílias que necessitam recorrer ao crédito.
Uma primeira explicação para o elevado spread brasileiro parece ser o próprio nível da taxa de juros básica da economia brasileira (a Selic). Mesmo com a tendência de queda observada na meta da Selic desde agosto de 2011, quando passou de 12,50% a.a. para 12,00 % a.a., até atingir o atual patamar de 9,0% a.a., a taxa de juros real brasileira ainda é uma das mais elevadas do mundo.
A manutenção da taxa Selic em patamar elevado acaba determinando um nível mínimo de valorização para todas as demais aplicações de recursos na economia. “(...) o patamar sui generis do spread bancário no Brasil está associado à existência de uma alternativa de aplicação especialmente atrativa que combina alta rentabilidade e baixíssimo risco: os títulos públicos indexados a taxa de juros básica”.
Vale lembrar que os bancos brasileiros permaneceram durante muito tempo fechados à competição externa e estavam voltados ao financiamento dos elevados déficits do governo. Os longos períodos de inflação alta e de crise levaram o Banco Central a dirigir ações para evitar que os problemas se agravassem, deixando para segundo plano a questão do custo do crédito no setor bancário. Hoje, curiosamente, além de serem os maiores detentores de títulos públicos federais, as instituições financeiras encontram-se numa situação de repensar a estratégia no sentido de focar o aumento do volume de crédito a um custo mais baixo, em razão da tendência de queda da Selic para os próximos anos.
2 PRATES, 2010, p.133
Outro fator que contribui de forma determinante para o alto custo do dinheiro no Brasil é a própria estrutura do mercado bancário nacional, que tem uma configuração oligopolista, com poucos bancos controlando praticamente todo o mercado e, portanto, com grande capacidade de determinação dos juros cobrados nas operações de crédito e do valor das tarifas bancárias. Para dar uma noção da estrutura de mercado, apenas os seis maiores bancos atuantes no Brasil (Banco do Brasil, Itaú-Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Santander e HSBC) concentram mais de 80% dos ativos totais e das operações de crédito do sistema bancário brasileiro (Gráficos 4 e 5).
Diante desse cenário, uma alternativa que possibilitaria a quebra relativa da lógica oligopolista que vigora no mercado bancário brasileiro seria a atuação mais incisiva dos bancos públicos, principalmente Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, como ocorreu no início de abril, quando estas instituições reduziram os juros cobrados das pessoas físicas e jurídicas. Esta prática, como visto até este momento, pressionou os bancos privados, ameaçados de perderem participação de mercado, a também reduzirem as taxas de juros e os spreads bancários.
A decomposição do spread
Desde 1999, o Banco Central do Brasil (BCB) disponibilizou uma série de estudos sobre o sistema bancário, denominada “Juros eSpread Bancário”, em que são realizadas análises a respeito da evolução da taxa de juros praticada pelas instituições financeiras, a fim de identificar a estrutura e os determinantes do spread.
Spread é um termo em inglês usado para expressar a diferença entre o que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e quanto cobra para emprestar esse mesmo dinheiro. Em janeiro de 2012, o spread situava-se em 27,8 p.p e, desde janeiro de 2004, variou entre 22 p.p e 30 p.p (Gráfico 6).
Pela metodologia utilizada pelo BCB, a decomposição do spread consiste em cinco componentes fundamentais. São eles:
1) Custos administrativos: referem-se às despesas com a manutenção do processo produtivo das instituições financeiras, por exemplo, as vinculadas à remuneração do trabalho (salários, benefícios, treinamentos e encargos) e à utilização de recursos operacionais (comunicações, material de escritório, processamento de dados, propaganda e publicidade, seguro, vigilância, transporte, entre outros);
2) Inadimplência: recursos provisionados pelos bancos para possíveis perdas em virtude do não pagamento por parte dos tomadores de crédito no intuito de resguardar o patrimônio das instituições financeiras. Este componente é estimado com base nas classificações de risco das categorias de empréstimo dos bancos e nas respectivas provisões mínimas;
3) Compulsório + Subsídio Cruzado + Encargos Fiscais e Fundo Garantidor de Crédito (FGC): corresponde à parte relativa aos custos de recolhimento incorridos pelos bancos para manutenção de parte de seus recursos no BCB, aos custos referentes aos créditos direcionados, como habitacional e rural, por exemplo. Inclui também as despesas obrigatórias com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e os tributos incidentes sobre a concessão de crédito e os resultados auferidos nessas operações (Programa de Integração Social/PIS e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social/Cofins);
4) Impostos Diretos: inclui as despesas com Imposto de Renda (IR) e com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
5) Margem Líquida, Erros e Omissões: diferença entre o resultado bruto e os componentes anteriores, isto é, neste item inclui o lucro líquido, os erros e as omissões de mensuração.
De acordo com o Gráfico 7, em 2010 (último dado disponibilizado no estudo do Banco Central), o spread bancário era composto por:
· 32,7% de Margem Líquida,
· 28,7% de Inadimplência,
· 21,9% de Impostos Diretos,
· 12,6% de Custo Administrativo
· e apenas 4,1% de despesas referentes ao Compulsório, Subsídio Cruzado e Encargos Fiscais e FGC.
Fonte: Banco Central do Brasil
Elaboração: DIEESE - Rede Bancários
É interessante observar que o componente Margem Líquida, que inclui o lucro do banco, foi maior em 2008, com participação de, aproximadamente, 35% no spread total, mesmo considerando que o ano foi marcado pela eclosão da crise financeira internacional. Nos anos anteriores, o percentual era menor e girava em torno de 30%.
Em 2009, essa participação caiu, mas voltou a subir em 2010, com a recuperação da economia brasileira e a retomada do crescimento do crédito. Em suma, em 2010, a participação da margem líquida (lucro dos bancos na intermediação financeira) correspondeu a cerca de 1/3 do total do spread bancário e foi o maior dos componentes dele.
Por outro lado, as despesas relacionadas à inadimplência reduziram a participação entre 2009 e 2010 (de 30,6% passou para 28,7%). Em 2009, devido aos impactos da crise, os bancos aumentaram as provisões para créditos de liquidação duvidosa, percentual também muito próximo do verificado em 2006, 30,5%, que, segundo o BCB, foi reflexo do maior volume de crédito em atraso verificado naquele ano.
As despesas relacionadas aos Impostos Diretos aumentaram a participação na composição e também correspondem à parte importante na composição do spread (21,9% em 2010). Esta participação já foi menor nos anos anteriores a 2008 (em torno de 15% a 16%, entre 2004 e 2007).
Os Custos Administrativos, e aqui estão incluídas as despesas com pessoal, representaram somente 12,6% do total do spread em 2010. Esta participação já foi maior, uma vez que, em 2004, representava 20,4%. Vale lembrar que apenas as receitas oriundas de tarifas bancárias são suficientes para cobrir mais do que 100% das despesas de pessoal nos principais bancos atuantes no Brasil. Isso significa que as receitas de tarifas e prestação de serviços cobrem com folga as despesas de pessoal, sem comprometimento dos ganhos obtidos com a intermediação financeira.
O item de menor peso no total do spread relaciona-se ao conjunto dos custos com depósitos compulsórios, subsídios cruzados, encargos fiscais e do Fundo Garantido de Crédito (FGC), que apresentaram redução da proporção em mais da metade, no período analisado, passando de 9,1%, em 2004, para 4,1%, em 2010.
Considerações finais
A primeira parte desta Nota Técnica demonstrou a importância de se realizar a redução das taxas de juros bancários no Brasil como forma de aumentar os investimentos, gerar emprego e renda, e fortalecer ainda mais o mercado interno na busca por um crescimento mais sustentado para o país, sobretudo diante de um cenário de instabilidade econômica internacional.
Entretanto, algumas características do setor financeiro nacional, explicitadas na segunda parte do trabalho, como o mercado oligopolizado (baixa concorrência) e a elevada taxa de juros básica da economia (Selic), apontam algumas dificuldades para que isso de fato ocorra.
Nesse sentido, é importante que haja uma mudança na gestão da dívida pública brasileira, de maneira que as instituições financeiras que possuem grande quantidade de títulos da dívida (atualmente remunerados pela Selic) não disponham mais de alternativas de aplicação em ativos negociáveis com a vantajosa combinação de alta rentabilidade e baixíssimo custo. Dessa forma, os bancos poderiam, por exemplo, ampliar e direcionar as carteiras de crédito para o financiamento produtivo de longo prazo.
No que se refere à concentração de mercado, os bancos públicos assumem grande relevância, uma vez que há espaço para o aumento da concorrência com os bancos privados, especialmente num contexto de queda da taxa Selic. Em 2009, ano de forte retração do crédito privado, ficou muito claro o papel dos bancos públicos nesse sentido. O BB e a Caixa expandiram os empréstimos, diretamente ou mediante compra de carteiras de crédito, e aproveitaram o contexto de retração dos bancos privados para ampliar as fatias de mercado. Já no atual contexto de redução da taxa básica de juros, que implica perda de receita nas aplicações de títulos públicos, os bancos privados tenderão a reagir com a redução das taxas de juros imposta pela Caixa e o BB, tratada nesta Nota, devido ao risco de verem reduzidas suas participações no mercado.
Finalmente, vale destacar os dois componentes do spread que se mantiveram em proporções elevadas nos anos analisados: a Margem Líquida e a Inadimplência. Nos últimos anos, os bancos públicos e privados registraram lucros e spreads recordes, o que denota que há espaço para redução do componente Margem Líquida. A proposta em reduzir a proporção no spread não implica necessariamente na redução do lucro, mas em ganhos de escala, com maior volume de crédito e menor spread.
Em relação ao componente Inadimplência, vale lembrar que muitos clientes dos bancos estão inadimplentes pelo fato de que, como as taxas de juros e spreads praticados pelos bancos são reconhecidamente abusivos, muitos passam a enfrentar dificuldades na quitação das dívidas. A redução dos juros possibilitaria a renegociação das dívidas bancárias por taxas bem mais baixas das praticadas pelos bancos.
Em suma, a iniciativa recente do governo para reduzir os juros cobrados nos bancos públicos, ainda que seja uma ação pontual, tem papel central no estímulo à atividade econômica ao forçar a queda das taxas de juros e dos spreads nos bancos privados.
Texto completo em:
Para analisar a grande transição econômica por que estamos passando, globalmente, tenho organizado material em:
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Atenciosamente.
Claudio Estevam Próspero