Doutrina
Espírita: “Ler tudo e reter o que for bom” - Paulo (Tessalonicenses, 5:21)
=> Tudo pode ser examinado (sem censura). Só o que for bom será incorporado.
A Verdade
está no Ponto Intermediário de todas as suas Versões.
Os
Capitalismos de Estado e os Capitalismos de Corporações são CORRUPÇÕES
igualmente danosas do Livre Mercado. Adam Smith, em A Riqueza das Nações,
falava de algo similar às nossas atuais Feiras Livres (muitos produtores com acesso
a muitos consumidores).
Acordos /
Zonas de Livre Comércio (ALCA, Comunidade Européia, Mercosul, etc.) são
restrições ao Livre Mercado: criam privilégios de venda para alguns produtores,
em prejuízo dos consumidores.
A única
regulação não corruptível é aquela derivada das ações dos Cidadãos e
Consumidores CONSCIENTES DE SEUS VERDADEIROS INTERESSES, na Economia e na
Política.
'Vários
mundos', criados por bilhões de EMPREENDEDORES, é a máxima realização do
potencial da Humanidade, através da realização do potencial único de cada SER
HUMANO.
Via
GMail em 02 de fevereiro de 2014 - Compartilhamento de Projeto de Estudo -
Verão/2014
Quando deu por si, Dagny estava conversando com os homens, alegre e descontraída. Não, pensou, o que estou sentindo não é tensão, e sim um vago espanto por não estar sentindo a tensão que deveria. O que havia de anormal naquilo era a sensação de normalidade e simplicidade.
Dagny mal se dava conta das perguntas que fazia, à medida que se dirigia ora a um, ora a outro interlocutor, porém suas respostas ficavam gravadas em sua mente, uma por uma, apontando para um desenlace.
– O Quinto Concerto? – disse Richard Halley, respondendo a uma pergunta sua. – Eu o compus há 10 anos. Aqui o chamamos de Concerto da Libertação. Obrigado por tê-lo reconhecido com base em umas poucas notas assobiadas no meio da noite… É, eu soube… E, como a senhorita conhecia minha obra, era de esperar que, ao ouvi-lo, entendesse que esse concerto diz tudo o que eu vinha tentando dizer, tudo o que queria exprimir antes. É dedicado a ele – acrescentou Halley, apontando para Galt. – Não, Srta. Taggart, não abandonei a música de jeito nenhum. O que a faz pensar assim? Compus mais nos últimos 10 anos do que em qualquer outro período da minha vida. Posso tocar o que a senhorita quiser quando for à minha casa… Não, Srta. Taggart, lá fora não vou publicar nada, nem uma nota dessas músicas será ouvida fora deste vale.
– Não, Srta. Taggart, não larguei a medicina – disse o Dr. Hendricks, respondendo a outra pergunta.
– Nos últimos seis anos tenho feito pesquisas. Descobri um método para proteger os vasos sanguíneos do cérebro dos derrames. Assim será afastado o terrível perigo de uma paralisia súbita… Não, não divulgarei nada a respeito de meu método ao mundo exterior.
– O direito, Srta. Taggart? – perguntou o juiz Narragansett. – Que direito? Eu não o abandonei, ele é que deixou de existir por lá. Continuo trabalhando na profissão que escolhi e servindo à causa da justiça… Não, a justiça nunca deixa de existir. Como isso poderia acontecer? O que ocorre é que os homens a perdem de vista, e então é a justiça que os destrói. Mas não é possível a justiça deixar de existir, porque justiça e existência são um o atributo do outro, porque justiça é reconhecer o que existe… Mas não abandonei minha profissão. Estou escrevendo um tratado sobre a filosofia do direito. Vou demonstrar que o maior dos males da humanidade, a mais destrutiva das máquinas de semear horrores de todas que os homens inventaram, é o direito não objetivo… Não, Srta. Taggart, meu tratado não será publicado lá fora.
– O meu trabalho, Srta. Taggart? – perguntou Midas Mulligan. – É fazer transfusões de sangue, e continuo a fazer isso. Meu trabalho é alimentar com um combustível vital as plantas que são capazes de crescer. Porém pergunte ao Dr. Hendricks se é possível salvar com sangue um organismo que se recusa a funcionar, uma carcaça podre que pretende existir sem qualquer esforço. Meu banco de sangue é o ouro. O ouro é um combustível que faz maravilhas, mas nenhum combustível funciona na ausência de motor… Não, não abandonei meu trabalho. Apenas me cansei de trabalhar para um matadouro, no qual se tira sangue de seres saudáveis para injetá-lo em corpos semimortos.
– Nenhum de nós abandonou nada – afirmou Hugh Akston. – Verifique suas premissas, Srta. Taggart. O mundo é que abandonou muita coisa… Por que um filósofo não pode trabalhar numa lanchonete? Ou numa fábrica de cigarros, como faço agora? Todo trabalho é um ato filosófico. E quando os homens aprenderem a considerar o trabalho produtivo, bem como aquilo que é sua fonte, o padrão de seus valores morais, eles chegarão àquele estado de perfeição que lhes pertence de direito, mas que eles perderam… A fonte do trabalho? É a mente humana, Srta. Taggart, a mente racional do homem. Estou escrevendo um livro sobre isso, no qual defino uma filosofia moral que aprendi com meu próprio aluno. É, ela poderia salvar o mundo… Não, não vou publicá-la no mundo exterior.
– Por quê? – exclamou ela. – Por quê? O que vocês estão fazendo, todos vocês?
– Estamos em greve – respondeu John Galt.
Todos se voltaram para ele, como se estivessem esperando por sua voz e por aquela palavra. Dagny ouviu a passagem vazia do tempo dentro de si, o súbito silêncio que se instaurou na sala, ao olhar para Galt, do outro lado do círculo de luz. Estava sentado confortavelmente no braço de uma poltrona, debruçado para a frente, o braço no joelho, a mão dependurada – e em seus lábios era o leve sorriso que dava às suas palavras o tom de irrevogabilidade fatal:
– Por que essa ideia causa espanto? Só há um tipo de homem que nunca entrou em greve na história da humanidade. Todos os outros tipos e classes pararam quando bem entenderam e apresentaram exigências ao mundo, afirmando-se indispensáveis, menos os homens que sempre carregaram o mundo nos ombros, o mantiveram vivo e suportaram torturas como única forma de pagamento, porém jamais abandonaram a humanidade. Pois chegou a vez deles. Que o mundo descubra quem eles são, o que fazem e o que acontece quando eles se recusam a trabalhar. Esta é a greve dos homens que usam suas mentes, Srta. Taggart. A mente humana está em greve.
Dagny permaneceu imóvel. Apenas levou os dedos, lentamente, até a testa.
– Por toda a história – prosseguiu Galt –, a mente sempre foi considerada algo de mau, e todo tipo de insulto – herege, materialista, explorador –, todo tipo de iniquidade – exílio, perda de cidadania, expropriação –, todo tipo de castigo – escárnio, tortura, morte – já foram infligidos àqueles que assumiram a responsabilidade de encarar o mundo pelos olhos de uma consciência viva e realizar o ato crucial de estabelecer conexões racionais. Porém foi apenas na medida em que alguns homens – acorrentados, presos, escondidos, nas mansardas dos filósofos, nas lojas dos comerciantes – continuaram a pensar que a humanidade pôde sobreviver. Através de todos os séculos em que foi cultivada a estupidez, em que toda estagnação foi suportada pelos homens, em que toda brutalidade foi cometida por eles, foi graças aos homens que percebiam que o trigo precisa de água para crescer, que pedras dispostas numa curva formam um arco, que 2 mais 2 são 4, que o amor não se faz com tortura e a vida não se faz com destruição, foi graças apenas a esses homens que a humanidade aprendeu a experimentar aqueles momentos em que foi possível captar a glória de ser humana, e foi apenas o somatório desses momentos que tornou possível sua sobrevivência. Foi o homem que usava a mente que lhe ensinou a fazer pão, a curar feridas, a forjar armas e a construir a cadeia na qual o jogaram. Ele foi o homem de energia extravagante e generosidade imprudente que sabia que a estagnação não é o destino do homem, que a impotência não é sua natureza, que o engenho de sua mente é seu poder mais nobre e mais elevado – e foi servindo esse amor à existência que só ele sentia que prosseguiu trabalhando, trabalhando a qualquer preço, trabalhando para os que o roubavam, para os que o prendiam, para os que o torturavam, pagando com sua vida o privilégio de salvar a vida deles. Era esta sua glória e sua culpa: deixar que eles lhe ensinassem a sentir-se culpado de sua glória, aceitar o papel de bode expiatório e, como castigo pelo pecado de ser inteligente, morrer em holocausto como um animal irracional.
Dagny não fez menção de que iria interrompê-lo, então ele prosseguiu:
– O mais trágico e grotesco da história da humanidade é que, em todos os altares que foram construídos, quem era imolado era sempre o homem, e quem era adorado era sempre o animal. Eram sempre os atributos do animal, e não os do homem, que a humanidade cultuava: o ídolo do instinto e o ídolo da força. Os místicos e os reis: os místicos, que ambicionavam uma consciência irresponsável e cujo poder emanava da afirmativa de que suas emoções obscuras eram superiores à razão, que o conhecimento vinha através de acessos cegos e imotivados, e deveria ser seguido cegamente, sem jamais ser questionado; e os reis, cujo poder emanava de suas garras e seus músculos, cujo método era a conquista e cujo objetivo era o saque, cuja justificativa única eram as armas. Os defensores da alma humana se interessavam pelos sentimentos e os do corpo humano, pelo estômago – porém ambos tinham em comum estarem contra a mente. No entanto, ninguém, nem mesmo o mais baixo dos seres humanos, pode renunciar completamente a seu cérebro. Ninguém jamais acreditou no irracional, e sim no injusto. Sempre que um homem denuncia a mente é porque seu objetivo é algo cuja natureza a mente não lhe permite confessar. Quando ele afirma contradições, ele o faz cônscio de que alguém há de aceitar o ônus do impossível, alguém fará com que isso funcione para ele ao preço do próprio sofrimento ou da própria vida – a destruição é o preço de toda contradição.
Todos o olhavam com admiração, e ele continuou a explicar a Dagny o que ela ansiara tanto por ouvir:
– Foram as vítimas que tornaram possível a injustiça. Foram os defensores da razão que possibilitaram o domínio dos irracionais. A espoliação da razão foi o objetivo de todas as seitas antirracionais que já surgiram. A espoliação da capacidade foi o objetivo de todas as seitas que já pregaram o autossacrifício. Os espoliadores sempre souberam disso. Nós, não. Chegou a hora de enxergarmos isso também. O que agora querem que adoremos é a figura nua, deformada e irracional – antes fantasiada de deus ou rei – do incompetente. Esse é o novo ideal, a nova meta, o novo objetivo de vida, e todos os homens serão recompensados à medida que se aproximarem de tal ideal. Dizem que vivemos na era do homem comum – um título a que qualquer homem pode aspirar, com base na distinção que jamais obteve. Ele agora se elevará por obra dos esforços que não fez, será honrado pelas virtudes que não demonstrou ter, será pago pelos bens que não produziu. Mas nós, para pagar pelo crime de sermos competentes, nós teremos de trabalhar para sustentar esse homem, seguir suas ordens, sendo nossa única recompensa a satisfação dele. Como somos nós os que mais têm a dar, teremos menos a dizer. Como temos mais capacidade de pensar, não nos será permitido ter pensamentos próprios. Como temos melhor discernimento quanto a ações práticas, não nos permitirão escolher nossos atos. Trabalharemos sob decretos e controles, criados por aqueles que são incapazes de trabalhar. Eles usarão nossa energia, porque não têm nenhuma para oferecer, e nossos produtos, porque não sabem produzir.
– Mas isso não é impossível? Você acha que isso pode ser posto em prática? – perguntou Dagny.
– Bom, eles sabem que é impossível. Quem não sabe é a senhorita, e eles dependem de a senhorita não o saber. Eles precisam que continue a trabalhar até não poder mais, a alimentá-los enquanto aguentar. Quando for destruída, haverá outra vítima que começará a alimentá-los enquanto se esforça para sobreviver – e cada vítima sucessiva durará menos tempo. E se a senhorita, ao morrer, lhes deixar uma rede ferroviária, seu sucessor morrerá e lhes deixará um pão. Isso não preocupa os saqueadores do momento. O plano deles, como os planos de todos os reis saqueadores que já existiram, só prevê que o saque dure até o fim de suas vidas. Antes sempre durou, porque em uma única geração não se esgota o número de vítimas. Mas desta vez não vai durar. As vítimas estão em greve. Em greve contra o martírio e contra o código moral que exige o martírio. Em greve contra aqueles que acreditam que um homem deve viver para o bem de outro. Em greve contra a moralidade dos canibais, seja ela praticada no corpo ou no espírito. Nós nos recusamos a lidar com homens segundo códigos que não o nosso, que é um código moral segundo o qual cada homem é um fim em si, não um meio para outros atingirem seus fins. Não queremos obrigá-los a adotar nosso código. Eles estão livres para acreditar no que quiserem. Porém desta vez eles vão ter que acreditar no que quiserem, mas viverão sem nossa ajuda. E, de uma vez por todas, vão ter que aprender o verdadeiro significado de suas crenças. Elas já existem há séculos, sancionadas apenas pelas próprias vítimas, pela aceitação por parte delas do castigo que lhes é imposto por violarem um código impossível de cumprir. Mas esse código foi feito para ser violado. Ele se sustenta não naqueles que o observam, mas nos que o violam; uma moralidade que sobrevive não baseada nos santos, e sim nos pecadores.
Ele parou por um instante, como se dando tempo para que ela assimilasse tudo o que lhe dizia. Então continuou, encarando-a:
– Pois resolvemos que não seremos mais pecadores. Paramos de violar esse código moral. Vamos erradicá-lo de uma vez por todas por meio do único método a que ele é incapaz de resistir: vamos cumpri-lo. É o que estamos fazendo. Ao lidar com nossos semelhantes, estamos observando seu código de valores ao pé da letra e os poupando dos males que eles denunciam. A mente é má? Retiramos da sociedade os produtos de nossas mentes, e nem sequer uma única ideia nossa será conhecida nem usada pelos homens. Então a capacidade é um mal egoísta que não dá nenhuma oportunidade àqueles que são menos capazes? Nós nos retiramos da concorrência e abrimos todas as oportunidades para os incompetentes. Tentar enriquecer é ganância, a raiz de todo mal? Não estamos mais tentando fazer fortuna. É um mal tentar ganhar mais do que o mínimo necessário à subsistência? Só assumimos os cargos mais humildes e só produzimos, por nosso próprio esforço, aquilo que atende a nossas necessidades imediatas, e não ameaçamos o mundo com um centavo, com uma ideia inovadora sequer. É um mal ter sucesso, já que os fortes triunfam em detrimento dos fracos? Não mais fazemos os fracos arcarem com o ônus de nossa ambição – agora podem prosperar livremente sem nós. É mau ser empregador? Não oferecemos mais empregos. É mau possuir propriedade? Não possuímos nada. É mau gozar a vida? Não buscamos gozar nada do mundo deles, e – o que foi mais difícil para nós – agora o que sentimos pelo mundo deles é aquela emoção que eles consideram ideal: a indiferença, o vazio, o zero, a marca da morte… Estamos dando aos homens tudo o que eles há séculos afirmam desejar e considerar virtuoso. Agora vamos ver se é isso mesmo que eles querem.
– Foi o senhor que iniciou essa greve? – perguntou Dagny.
– Fui eu. – Galt se levantou, as mãos nos bolsos, o rosto iluminado. Ela o viu sorrir: um sorriso fácil, sem esforço, implacável, nascido da certeza. Ele prosseguiu: – Falam tanto em greve; dizem que o homem excepcional depende muito do comum. Gritam que o industrial é um parasita, que são seus empregados que o sustentam, criam sua riqueza, tornam possível seu luxo… o que seria dele se todos eles sumissem? Pois bem. Proponho mostrar ao mundo quem depende de quem, quem sustenta quem, quem é a fonte de riqueza, quem torna a vida de quem possível e o que acontece com quem quando a outra parte some. As janelas agora estavam escuras e refletiam as brasas dos cigarros. Galt pegou um cigarro na mesa a seu lado, e à luz do fósforo Dagny viu por um instante o brilho do cifrão de ouro entre seus dedos.
– Eu parei e aderi à greve dele – acrescentou Hugh Akston – porque não podia me considerar colega de profissão de homens que afirmam que o intelectual é aquele que nega a existência do intelecto. Ninguém daria trabalho a um bombeiro encanador que tentasse provar sua excelência profissional afirmando a inexistência dos canos. Porém parece que esses padrões não são considerados necessários entre os filósofos. Mas aprendi com meu próprio aluno que fui eu que tornei possível esse estado de coisas. Quando os pensadores aceitam como colegas de profissão aqueles que negam a existência do pensamento, como membros de uma outra escola de pensamento, então são eles os responsáveis pela destruição da mente. Eles concedem ao inimigo sua premissa básica, e assim a razão aprova a demência formal. Uma premissa básica é um absoluto que não admite a cooperação com sua antítese nem tolera a tolerância. Do mesmo modo e pelo mesmo motivo que o banqueiro não pode aceitar nem fazer circular dinheiro falso, concedendo-lhe a sanção, a honra e o prestígio de seu banco, assim como não pode aceitar o argumento do falsificador de que a tolerância deve levá-lo a aceitar o dinheiro falso como uma mera diferença de opinião, assim também não posso conceder o título de filósofo ao Dr. Simon Pritchett nem entrar em competição com ele. O Dr. Pritchett não possui nada depositado no banco da filosofia, nada senão sua intenção declarada de destruí-lo. Ele tenta faturar em cima do poder de que a razão goza entre os homens, negando-o. Ele tenta gravar o selo da razão nos planos dos saqueadores a quem serve. Tenta usar o prestígio da filosofia para conseguir a escravização do pensamento. Mas esse prestígio é uma conta que só pode existir enquanto eu estiver lá para assinar os cheques. Ele que se vire sem mim. Dou a ele e àqueles que lhe confiam a formação de seus filhos exatamente o que exigem: um mundo de intelectuais sem intelecto e pensadores que afirmam não serem capazes de pensar. Estou fazendo o que pedem. Estou obedecendo. E, quando virem a realidade absoluta de seu mundo sem absolutos, não estarei lá e não serei eu quem pagará o preço de suas contradições.
– O Dr. Akston entrou em greve baseado no princípio do sistema bancário – disse Mulligan. – Pois eu entrei em greve com base no princípio do amor. O amor é a forma mais elevada de reconhecimento que conferimos aos valores superlativos. Foi o caso Hunsacker que me fez largar tudo – quando um tribunal me mandou atender, dando prioridade de acesso ao dinheiro de meus clientes, à exigência daqueles que provassem que não tinham o direito de exigir coisa alguma. Queriam que eu desse dinheiro ganho com o trabalho de seus proprietários a vagabundos cujo único argumento era sua incapacidade de ganhar dinheiro com seu próprio trabalho. Nasci numa fazenda, eu conhecia o significado do dinheiro. Já havia lidado com muitos homens em minha vida. Vi-os crescer. Fiz minha fortuna aprendendo a distinguir determinado tipo de homem: aquele que jamais pede fé, esperança nem caridade, e sim oferece fatos, provas e lucros. Você sabe que investi dinheiro em Hank Rearden na época em que ele começava a subir, quando tinha conseguido sair de Minnesota para comprar as siderúrgicas na Pensilvânia? Pois, quando olhei para a ordem judicial em minha mesa, tive uma visão. Vi uma imagem com tanta clareza que mudou para mim a aparência de todas as coisas. Vi o rosto alegre e os olhos vivos de Rearden quando jovem, tal como era quando o conheci. Vi-o caído aos pés de um altar, seu sangue escorrendo para dentro da terra, e em pé naquele altar estava Lee Hunsacker, com seus olhos cheios de remelas, gemendo que nunca lhe tinham dado uma oportunidade… É estranho como as coisas se tornam simples depois que a gente as vê com clareza. Não foi difícil fechar o banco e sumir: eu estava vendo, pela primeira vez na vida, aquilo que era a razão de minha existência, aquilo que eu amava.
Dagny olhou para o juiz Narragansett.
– O senhor largou tudo pelo mesmo motivo, não foi?
– Foi – respondeu o juiz. – Larguei tudo quando o tribunal de apelação revogou minha decisão. Escolhi minha profissão porque decidi ser um guardião da justiça. Mas as leis que eu era obrigado a cumprir me faziam cometer a pior injustiça concebível. Queriam que eu usasse a força para violar os direitos de homens desarmados, que haviam me procurado para que eu protegesse esses direitos. Os litigantes obedecem à decisão de um tribunal exclusivamente com base na premissa de que existe uma norma de conduta objetiva, aceita por ambas as partes. Ora, percebi que uma das partes estava sujeita a essa norma, mas a outra não estava: que uma ia obedecer a uma regra enquanto a outra ia impingir um desejo arbitrário seu – sua necessidade –, e a lei ia se colocar do lado do desejo. O papel da Justiça seria defender o injustificável. Entrei em greve porque não me seria possível suportar ouvir a palavra “meritíssimo” dirigida a mim por um homem honesto.
Os olhos de Dagny lentamente se voltaram para Richard Halley, como se ela ao mesmo tempo lhe implorasse que contasse sua história e exprimisse seu medo de ouvi-la. Ele sorriu.
– Que os homens tivessem me obrigado a lutar como lutei, eu lhes perdoaria – disse ele. – O que não pude perdoar foi a maneira como encararam meu sucesso. Jamais senti ódio durante todos os anos em que fui rejeitado. Se meu trabalho era algo novo, eu tinha que lhes dar tempo para aprender; se eu me orgulhava de ser o primeiro a desvendar um novo caminho para atingir alturas que ninguém conseguira antes, não tinha o direito de reclamar se os outros demoravam para me seguir. Era isso que eu dizia a mim mesmo durante todos aqueles anos: apenas de vez em quando, à noite, eu não conseguia esperar nem acreditar mais, e exclamava “Por quê?”, mas não tinha resposta. Então, na noite em que resolveram me aplaudir, me coloquei perante eles no palco, pensando que era esse o momento pelo qual eu lutara tanto, querendo sentir isso, mas não sentindo nada. Eu estava vendo todas as outras noites do passado, ouvindo aquele “Por quê?” que continuava sem resposta, e aqueles aplausos pareciam tão vazios quanto a indiferença de antes. Se eles tivessem dito “Nos desculpe por termos demorado e obrigado por esperar”, eu não pediria mais nada e lhes daria tudo o que tinha para dar. Mas o que eu via em seus rostos, no modo como se dirigiam a mim quando vieram todos me elogiar, era a coisa que sempre ouvi dizerem aos artistas, só que eu jamais conseguira acreditar que alguém fosse capaz de dizer aquilo a sério. Pareciam me dizer que não me deviam nada, que sua surdez me proporcionara um objetivo moral, que fora meu dever lutar, sofrer, suportar, por eles, todos os deboches, todo o desprezo, a injustiça, a tortura que eles resolveram me impor, suportar tudo isso para poder lhes ensinar a gostar do meu trabalho, que eles tinham direito de fazer isso, que era isso que cabia a mim. E então compreendi a natureza do saqueador espiritual, coisa que nunca tinha conseguido conceber antes. Vi-os enfiando a mão em minha alma, do mesmo modo como enfiavam a mão nos bolsos de Mulligan, para expropriar o valor de minha pessoa, do mesmo modo como expropriavam a riqueza dele. Vi a malícia impertinente da mediocridade ostentando com orgulho o próprio vazio como uma lacuna a ser preenchida pelos corpos de seus superiores. Vi-os tentando – do mesmo modo como tentaram se alimentar com o dinheiro de Mulligan – se alimentar das horas em que compus minha música, daquilo que me fez compô-la, tentando ganhar amor-próprio arrancando de mim a aceitação de que eles eram o objetivo da minha música, de modo que, precisamente por causa de minha realização, não eram eles que reconheciam meu valor, e sim eu que reconhecia o valor deles… Foi naquela noite que jurei nunca mais deixar que eles ouvissem nem sequer uma nota composta por mim. As ruas estavam vazias quando saí do teatro. Fui o último a sair – e vi um homem que nunca tinha visto antes esperando por mim, perto de um poste de iluminação. Ele não precisou me dizer muita coisa. Mas a obra que dediquei a ele se chama Concerto da Libertação.
Dagny olhou para os outros.
– Por favor, me exponham suas razões – disse ela, com uma leve ênfase no tom de voz, como se estivesse sendo derrotada porém quisesse levar a derrota até o fim.
– Parei quando a medicina foi colocada sob controle estatal há alguns anos – contou o Dr. Hendricks. – A senhorita imagina o que é preciso saber para operar um cérebro? Sabe o tipo de especialização que isso requer, os anos de dedicação apaixonada, implacável, absoluta para atingi-la? Foi isso que me recusei a colocar à disposição de homens cuja única qualificação para mandar em mim era sua capacidade de vomitar as generalidades fraudulentas graças às quais conseguiram se eleger para cargos que lhes conferem o privilégio de impor sua vontade pela força das armas. Não deixei que determinassem o objetivo ao qual eu dedicara meus anos de formação, nem as condições sob as quais eu trabalharia, nem a escolha de pacientes, nem o valor de minha remuneração. Observei que, em todas as discussões que precediam a escravização da medicina, tudo se discutia, menos os desejos dos médicos. As pessoas só se preocupavam com o “bem-estar” dos pacientes, sem pensar naqueles que o proporcionavam. A ideia de que os médicos teriam direitos, desejos e opiniões em relação à questão era considerada egoísta e irrelevante. Não cabe a eles opinar, diziam, e sim apenas “servir”. Que um homem disposto a trabalhar sob compulsão é um irracional perigoso demais para trabalhar até mesmo num matadouro é coisa que jamais ocorreu àqueles que se propunham a ajudar os doentes tornando a vida impossível para os sãos. Muitas vezes me espanto diante da presunção com que as pessoas afirmam seu direito de me escravizar, controlar meu trabalho, dobrar minha vontade, violar minha consciência e sufocar minha mente – porque o que elas vão esperar de mim quando eu as estiver operando? O código moral delas lhes ensinou que vale a pena confiar na virtude de suas vítimas. Pois é essa virtude que eu agora lhes nego. Que elas descubram o tipo de médico que o sistema delas vai produzir. Que descubram, nas salas de operação e nas enfermarias, que não é seguro confiar suas vidas às mãos de um homem cuja vida elas sufocaram. Não é seguro se ele é o tipo de homem que se ressente disso – e é menos seguro ainda se ele é o tipo de homem que não se ressente.
– Eu parei – disse Ellis Wyatt – porque não quis servir a refeição dos canibais e ainda por cima ter que prepará-la.
– Descobri – disse Ken Danagger – que os homens contra quem eu lutava eram impotentes. Essas pessoas incapazes, sem objetivo, irresponsáveis e irracionais – não era eu que precisava delas, não cabia a elas me dar ordens, não cabia a mim lhes obedecer. Parei para que elas também descubram o que eu descobri.
– Parei – disse Quentin Daniels – porque, se existe um grau de culpa, então o cientista que coloca sua mente a serviço da força bruta é o maior criminoso existente na Terra.
Calaram-se. Dagny se virou para Galt.
– E o senhor? – perguntou ela. – O senhor foi o primeiro. Por que foi levado a fazer o que fez?
Ele deu uma risadinha:
– Porque me recusei a nascer com pecado original.
– O que quer dizer com isso?
– Nunca senti culpa por ter capacidade. Nunca senti culpa por ter inteligência. Nunca senti culpa por ser homem. Não aceito culpa imerecida e portanto sempre pude conhecer meu valor e merecê-lo. Desde pequeno, sinto que seria capaz de matar o homem que afirmasse que existo para satisfazer suas necessidades, e sei que esse é o sentimento moral mais elevado que há. Naquela noite, na assembleia da Século XX, quando ouvi dizerem coisas abomináveis num tom de elevação moral, vi a raiz da tragédia do mundo, a chave dela e a solução. Vi o que tinha que ser feito. E o fiz.
– E o motor? – perguntou Dagny. – Por que o abandonou? Por que o largou para os herdeiros de Starnes?
– Era propriedade do pai deles. Ele me pagara para fazê-lo. Foi feito no tempo em que eu era empregado dele. Mas eu sabia que seus herdeiros nada fariam com o motor e que ninguém jamais ouviria falar dele. Era meu primeiro modelo experimental. Só eu ou alguém como eu poderia terminá-lo, ou mesmo entender o que ele era. E eu sabia que ninguém como eu chegaria perto daquela fábrica depois.
– O senhor tinha consciência do que representava seu motor?
– Tinha.
– E sabia que o estava abandonando para apodrecer?
– Sabia. – Galt olhou para as janelas escuras e riu baixinho, mas não havia humor em seu riso. – Olhei para meu motor pela última vez antes de ir embora. Pensei nos homens que afirmam que a riqueza é uma questão de recursos naturais, e nos que afirmam que a riqueza é uma questão de se apossar das fábricas, e naqueles que afirmam que as máquinas condicionam os cérebros humanos. Pois lá estava o motor que poderia condicioná-los, e lá permaneceu ele exatamente tal como é sem a mente humana: um amontoado de pedaços de metal e fios, enferrujando. A senhorita está pensando no grande serviço que o motor poderia ter prestado à humanidade se tivesse sido comercializado. Acho que, no dia em que os homens compreenderem o significado do abandono daquele motor num monte de lixo, ele terá prestado um serviço ainda maior.
– Quando o senhor o abandonou, esperava ver esse dia chegar?
– Não.
– Esperava vir a ter oportunidade de reconstruí-lo em outro lugar?
– Não.
– E assim mesmo o abandonou num monte de lixo?
– Por amor ao significado que esse motor tinha para mim – disse ele lentamente. – Eu tive que deixálo apodrecer e desaparecer para sempre – e Galt a encarou, falando com uma voz firme, implacável, sem qualquer hesitação ou inflexão – do mesmo modo que a senhorita terá de deixar os trilhos da Taggart Transcontinental apodrecerem e desaparecerem.
Ela também o encarou, de cabeça erguida, e disse lentamente, num tom de súplica orgulhosa:
– Não me obrigue a responder agora.
– Não. Nós lhe diremos tudo o que a senhorita quiser saber. Não vamos insistir para que tome uma decisão. – Então acrescentou, com uma voz tão suave que a surpreendeu: – Eu já disse que essa indiferença em relação a um mundo que deveria ser nosso era a coisa mais difícil de conseguir. Todos nós passamos por isso.
Dagny contemplou aquela sala silenciosa e inexpugnável, e a luz – gerada pelo motor de Galt – que iluminava os rostos mais serenos e confiantes que ela jamais vira.
– O que o senhor fez quando saiu aquela noite da Século XX? – perguntou ela.
– Saí e me dediquei à tarefa de procurar as últimas chamas que ainda brilhavam nas trevas cada vez mais profundas da barbárie, os homens capazes, os indivíduos dotados de uma mente, com o intuito de observar sua trajetória, sua luta e sua agonia, para depois colhê-los, quando eu estivesse certo de que eles já haviam visto o bastante.
– O que o senhor lhes dizia para fazê-los largar tudo?
– Dizia-lhes que eles estavam certos.
Com o olhar, Dagny lhe dirigiu uma pergunta muda. Ele respondeu:
– Dei-lhes o orgulho que eles não sabiam que tinham. Dei-lhes as palavras com que identificá-lo.
Dei-lhes aquela coisa sem preço de que necessitavam, que desejavam, e no entanto não sabiam que era necessária: uma sanção moral. A senhorita disse que eu era um destruidor e caçador de homens, não é? Eu era o chefe da greve, o líder da revolta das vítimas, o defensor dos oprimidos, dos deserdados, dos explorados… e quando eu uso essas palavras, elas realmente têm seus sentidos literais.
– Quem foram os primeiros a segui-lo?
Galt esperou um momento, para enfatizar sua resposta, e disse então:
– Meus dois melhores amigos. Um deles a senhorita conhece. A senhorita sabe, talvez melhor do que ninguém, o preço que ele pagou por me seguir. Nosso professor, o Dr. Akston, foi o próximo. Ele passou para nosso lado após uma noite de conversa. William Hastings, que foi meu chefe no laboratório de pesquisas da Século XX, levou um ano debatendo-se consigo mesmo e demorou para se juntar a nós. Mas veio para nosso lado. Depois Richard Halley. Depois Midas Mulligan.
– … que levou 15 minutos – acrescentou Mulligan. Dagny se virou para ele:
– Foi o senhor que desenvolveu este vale?
– Fui – disse Mulligan. – Antes era apenas meu refúgio particular. Comprei-o há muitos anos.
Adquiri uma grande extensão destas montanhas, em parcelas, de fazendeiros e criadores de gado que nem sabiam o que possuíam. O vale não aparece em nenhum mapa. Construí esta casa quando resolvi abandonar tudo. Fechei todas as entradas, salvo uma estrada, tão bem camuflada que ninguém poderá encontrá-la, e trouxe para cá tudo de que eu necessitava, de modo que pudesse viver aqui o restante da minha vida e nunca mais tivesse que olhar para a cara de um saqueador. Quando soube que o John havia convencido o juiz Narragansett também, convidei o juiz para vir morar aqui. Então chamamos Richard Halley. Os outros, de início, ficaram de fora.
– Não tínhamos nenhuma regra – disse Galt –, salvo uma. Quando um homem fazia nosso juramento, isso o obrigava a uma única coisa: a não trabalhar em sua profissão, não dar ao mundo os frutos de sua mente. Fora isso, cada um podia fazer o que quisesse. Os que tinham dinheiro se aposentavam e viviam de economias. Os que tinham de trabalhar arranjavam o trabalho mais humilde possível. Alguns de nós éramos famosos; outros, como aquele jovem guarda-freios seu, descoberto por Halley, nós conseguimos segurar antes que fossem torturados. Mas não abandonávamos nossas mentes nem o trabalho que amávamos. Cada um de nós continuava a trabalhar em sua verdadeira profissão, do modo que quisesse, nas horas vagas, porém em segredo, para seu próprio benefício exclusivamente, sem dar nada aos homens, sem compartilhar nada. Estávamos espalhados por todo o país, como párias, o que aliás sempre havíamos sido, só que agora aceitávamos conscientemente nossa posição. Nosso único alívio eram as raras ocasiões em que podíamos nos encontrar. Constatamos que ainda gostávamos de nos encontrar, para não nos esquecermos de que ainda existiam seres humanos no mundo. Assim, resolvemos que, durante um mês, todos os anos, nos reuniríamos neste vale, para descansar, viver num mundo racional, exercer abertamente nossas verdadeiras profissões, trocar nossas realizações num lugar em que a realização merece pagamento, não expropriação. Cada um de nós passava um mês por ano construindo sua casa aqui e arcava com as próprias despesas. Isso tornava o restante do ano mais fácil de suportar.
– Como a senhora vê – disse Hugh Akston –, o homem é mesmo um animal social, só que não da maneira como o afirmam os saqueadores.
– Foi a destruição do Colorado que incrementou o desenvolvimento deste vale – disse Mulligan. – Ellis Wyatt e os outros se instalaram aqui em caráter permanente porque tinham que se esconder. O que puderam trazer para cá de suas fortunas, eles o converteram em ouro ou máquinas, como eu havia feito. Aí já éramos em número suficiente para desenvolver o vale e criar empregos para aqueles que lá fora eram obrigados a trabalhar. Agora já atingimos o estágio de podermos quase todos viver aqui o tempo todo. O vale é quase autossuficiente, e os produtos que ainda não produzimos aqui, eu os compro lá fora por intermédio de uma rede secreta. É um agente especial, um homem que não deixa meu dinheiro chegar até os saqueadores. Não somos um Estado, nem uma sociedade, apenas uma associação voluntária de homens unidos exclusivamente pelo interesse pessoal de cada um. Sou o proprietário do vale e vendo terras aos outros que estão interessados. Em caso de litígio, o juiz Narragansett é o árbitro. Até agora ele não foi consultado nenhuma vez. Dizem que é difícil as pessoas entrarem em acordo. A senhorita não imagina como é fácil, quando as duas partes envolvidas tomam como princípio moral absoluto que ninguém existe para servir a ninguém e que a razão é o único meio de troca. Está cada vez mais próximo o dia em que todos nós teremos de vir morar aqui, porque o mundo está caindo aos pedaços tão depressa que logo todos estarão morrendo de fome. Mas nós vamos poder nos sustentar neste vale.
– O mundo está se acabando mais depressa do que esperávamos – comentou Hugh Akston. – As pessoas param e abandonam tudo. Os tripulantes dos trens congelados, os bandos de saqueadores, os desertores são gente que nunca ouviu falar de nós, que não faz parte de nossa greve, que age por conta própria, numa reação natural do que esses homens ainda têm de racional. É o mesmo tipo de protesto que o nosso.
– Quando começamos, não tínhamos em mente nenhum limite de tempo – disse Galt. – Não sabíamos se viveríamos o bastante para assistir à libertação do mundo ou se teríamos que legar nossa luta e nosso segredo às gerações futuras. Sabíamos apenas que não aceitávamos outra forma de vida que não esta aqui. Mas agora já achamos que vamos poder ver, e não vai demorar muito, o dia de nossa vitória, de nossa volta.
– Quando? – sussurrou Dagny.
– Quando o código moral dos saqueadores entrar em colapso. – Vendo que ela o observava com um olhar que exprimia esperança e ao mesmo tempo era uma pergunta, Galt acrescentou: – Quando o código da autoimolação for levado até as últimas consequências pela primeira vez, quando os homens não encontrarem mais vítimas prontas para obstruir a trajetória da justiça e receber a punição elas próprias, quando os pregadores do autossacrifício descobrirem que aqueles que estão dispostos a colocá-lo em prática nada têm para sacrificar, e os que têm não estão mais dispostos a fazê-lo, quando os homens virem que nem seus corações nem seus músculos podem salvá-los, mas que a mente que eles amaldiçoaram não está mais lá para atender a seus pedidos de socorro, quando sofrerem a queda inevitável, por serem homens sem mentes, quando não lhes restar mais nenhum vestígio de autoridade, nem de lei, nem de moralidade, nem de esperança, nem de comida, nem nenhuma maneira de obter nenhuma dessas coisas, quando entrarem em colapso e o caminho estiver desimpedido, então voltaremos para reconstruir o mundo.
O Terminal Taggart, pensou Dagny. Ouviu as palavras ecoando em sua mente entorpecida, o somatório de um ônus que ela não tivera tempo de pesar. Era isto o Terminal Taggart, pensou, esta sala, e não aquele salão imenso em Nova York. Era este seu objetivo, o fim da linha, o ponto além da curvatura da Terra onde as duas linhas retas dos trilhos se encontravam e desapareciam, impelindo-a para a frente, como haviam impelido Nathaniel Taggart – era esta a meta que Nat Taggart vira ao longe, era este o ponto para onde até hoje ele olhava em frente, de cabeça erguida, por sobre a multidão que zanzava no terminal de granito. Era por isto que me dedicara aos trilhos da Taggart Transcontinental, como ao corpo de um espírito ainda não encontrado. Eu o encontrara agora, encontrara tudo o que sempre quisera, ali, naquela sala, e era meu – o preço era aquela rede ferroviária, os trilhos que desapareceriam, as pontes que desmoronariam, os sinais luminosos que se apagariam… E no entanto… Tudo que eu sempre quis, pensou ela, desviando a vista da figura de um homem com cabelos da cor do sol e olhos implacáveis.
– Não é preciso responder agora.
Dagny levantou a cabeça. Ele a olhava como se tivesse lido seus pensamentos.
– Jamais exigimos que alguém concorde conosco – disse Galt. – Jamais dizemos a alguém mais do que a pessoa está preparada para ouvir. A senhorita foi a primeira pessoa a conhecer nosso segredo antes do tempo. Mas a senhorita está aqui e tinha que saber. Agora já sabe a natureza exata da escolha que terá de fazer. Se lhe parece difícil, é porque ainda acha que uma coisa não exclui a outra. Mas a senhorita vai se convencer de que não há outro jeito.
– Vocês me dão tempo?
– O seu tempo não é nosso para lhe podermos dar. Não tenha pressa. Só a senhorita pode decidir o que vai fazer, e quando. Sabemos qual é o preço dessa decisão. Nós o pagamos. O fato de já estar aqui talvez torne a coisa mais fácil… ou mais difícil.
– Mais difícil – sussurrou ela.
– Eu sei.
Galt havia falado com uma voz tão baixa quanto a dela, com o mesmo som de quem fala quando já se esgota seu fôlego, e durante um instante Dagny se desligou da sala ao seu redor, como no instante após levar um soco, porque sentia que este – e não os momentos em que ele a carregara nos braços pela encosta abaixo – fora o momento de maior proximidade física entre ambos.
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Atenciosamente.
Claudio Estevam Próspero
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