Manifesto
Eleitoral do Povo [Novembro de 1848]
Trecho
do capítulo em que Proudhon discute:
As
Causas da Desigualdade
Como
o Povo CONSTRUIRÁ
o Socialismo
(via Associações
Livres [Cooperativas]
de Trabalhadores que Contratam Entre Si a Comercialização, o
Crédito e a Produção de Bens e Serviços). O
Socialismo não pode ser outorgado pelo Estado ou Partidos [as
Revoluções Comunistas, do Século 20, apenas trocaram as Castas
Dominantes]
Livro:
A
Propriedade É um Roubo e Outros Escritos Anarquistas
- Pierre Joseph Proudhon
(1809-1865)
Ora,
qual é a causa da desigualdade?
Esta
causa, segundo nós, foi tornada pública por todas as críticas
socialistas que se sucederam, notadamente depois de Jean Jacques
(Rousseau); esta causa é a realização na
sociedade desta tripla abstração: capital, trabalho, talento.
É
porque a sociedade se dividiu em três categorias de cidadãos
correspondentes aos três termos desta fórmula; quer
dizer, porque se fez nela uma classe de capitalistas ou
proprietários, uma outra classe de trabalhadores e uma terceira
classe de capacidades, é que constantemente se chegou nela à
distinção de castas
e que a metade do gênero humano foi escrava da outra metade.
Por
toda a parte em que se pretendeu de fato, organicamente, estas três
coisas, o capital, o trabalho e o talento, o
trabalhador foi escravizado:
ele se chamou alternativamente escravo, servo, pária, plebeu,
proletário; o
capitalista foi explorador:
nomeia-se ora patrício ou nobre, ora proprietário ou burguês; o
homem de talento foi um parasita,
um agente de corrupção e servidão: este foi primeiro o sacerdote,
mais tarde o clérigo, hoje o funcionário público, qualquer gênero
de capacidade e de monopólio.
O
dogma fundamental do socialista consiste então em transformar a
fórmula aristocrática: capital-trabalho-talento nesta simples:
trabalho!
Em fazer, por conseguinte, que
todo cidadão seja ao mesmo tempo, com idêntico valor e num mesmo
grau, capitalista, trabalhador e sábio ou artista.
O
produtor e o consumidor, na realidade das coisas, como na ciência
econômica, é sempre o mesmo personagem, considerado somente de dois
pontos de vista diferentes.
Por
que este não seria da mesma maneira capitalista e trabalhador?
Trabalhador e artista? Separai
estas qualidades na organização social e vós criais fatalmente
castas, a desigualdade, a miséria;
uni-as,
ao contrário, em cada indivíduo, e vós tendes a igualdade, tendes
a República.
É assim ainda que na ordem política devem se apagar
um dia todas estas distinções de governantes e governados,
administradores e administrados, funcionários públicos e
contribuintes etc. É necessário, para o desenvolvimento da ideia
social, que cada cidadão seja tudo; porque, se não é tudo, ele não
é livre; sofre opressão e exploração em algum aspecto.
Qual
é então o meio de operar esta grande fusão?
O
meio é indicado pelo próprio mal. E, em primeiro lugar,
esforcemo-nos para ainda melhor definir, se é possível, o mal.
Visto
que o proletariado e a miséria têm por causa orgânica a divisão
da sociedade em duas classes: uma que trabalha e não possui;
a outra que possui e não trabalha, que, por conseguinte,
consome sem produzir; segue-se
que o mal de que sofre a sociedade consiste nesta ficção singular
de que o capital é, por ele mesmo, produtivo; enquanto o trabalho,
por ele mesmo, não o é.
Com
efeito, para que as condições fossem iguais, nesta hipótese da
separação do trabalho e do capital, seria preciso que, como o
capitalista se desenvolve através de seu capital, sem trabalhar,
também o trabalhador pudesse se desenvolver através de seu
trabalho, sem capital. Ora, não é o que acontece.
Portanto,
a igualdade, a liberdade, a fraternidade são impossíveis no regime
atual; portanto a miséria e o proletariado são a consequência
fatal da presente organização da propriedade.
Todo
aquele que o sabe, e não o confessa, mente igualmente à burguesia e
ao proletariado.
Todo
aquele que solicita os sufrágios do povo e o dissimula não é nem
socialista nem democrata.
Nós
o repetimos:
A
produtividade do capital [Capital
Financeiro],
aquela que o
Cristianismo
condenou sob o nome de usura,
tal é a verdadeira causa da miséria, a verdadeira origem do
proletariado, o eterno obstáculo ao estabelecimento da República.
Nada
de equívoco, nada de confusão, nada de subterfúgio! Que aqueles
que se dizem democrata socialistas assinem conosco esta profissão de
fé; com este sinal, mas somente com este sinal, nós reconhecemos
neles irmãos, verdadeiros amigos do povo, nós subscreveremos todos
os seus atos.
E
agora, o meio de extirpar o mal, de fazer cessar a usura, qual é?
Será atacar o lucro francamente, apoderarmo-nos da renda? Será, ao
professar o maior respeito pela propriedade, roubá-la através do
imposto, na medida em que ela é adquirida pelo trabalho e consagrada
pela lei?
É
aqui sobretudo que os verdadeiros amigos do povo se distinguem
daqueles que não querem senão comandar o povo; é aqui que se
separam de seus pérfidos imitadores.
O
meio de destruir a usura não é, mais uma vez, confiscar a usura; é
opor princípio a princípio, isto é, numa palavra, organizar o
crédito.
Organizar
o crédito, para o socialismo, não é emprestar a juros, visto que
isto sempre seria reconhecer a soberania do capital; é organizar a
solidariedade dos trabalhadores entre eles, é criar sua garantia
mútua, segundo este princípio de economia vulgar de que tudo que
tem um valor de troca pode ser um objeto de troca, pode, por
conseguinte, dar matéria a crédito.
Do
mesmo modo que o banqueiro empresta seu dinheiro ao negociante que
lhe paga isso em juros:
O
proprietário fundiário empresta sua terra ao camponês que lhe paga
um arrendamento;
O
proprietário de imóvel empresta um alojamento ao locatário que lhe
paga isso em aluguel;
O
comerciante empresta sua mercadoria à freguesia que compra à
prestação;
Da
mesma maneira o trabalhador empresta seu trabalho ao patrão que lhe
paga no fim do mês ou no fim da semana. Todos quantos somos, nós
emprestamos reciprocamente alguma coisa: não se diz vender a
crédito, trabalhar a crédito, beber a crédito?
Portanto,
o trabalho pode dar crédito dele mesmo, ele pode ser credor como o
capital.
Portanto,
ainda, dois ou mais trabalhadores podem emprestar entre si seus
produtos e, se eles se combinam por operações contínuas deste
gênero, organizarão entre eles o crédito.
Eis
o que compreenderam admiravelmente as associações operárias que,
espontaneamente, sem comandita, sem capitais, se formam em Paris e
Lyon, e somente por isto elas se colocam em relação umas com as
outras, elas se emprestam, organizam, como se diz, o trabalho.
De
modo que, organização do crédito, organização do trabalho,
associação, é uma única e mesma coisa. Não é uma escola, não é
um teórico que diz isto; é o fato atual, o fato revolucionário que
o demonstra.
Desta
maneira a aplicação de um princípio conduz o povo à descoberta de
um outro, uma solução obtida conduz sempre a uma outra solução.
Se portanto acontecesse que os trabalhadores
se combinassem em todas as partes da República e se organizassem da
mesma maneira, é evidente que, senhores do trabalho e produzindo
incessantemente, pelo trabalho, novos capitais, logo
teriam reconquistado, por sua organização e sua concorrência, o
capital alienado; atrairiam a eles, principalmente, a pequena
propriedade, o pequeno comércio e a pequena indústria; depois a
grande propriedade e as grandes empresas; depois as explorações
mais vastas, as minas, os canais, as estradas de ferro; eles se
tornariam os senhores de tudo pela adesão sucessiva dos produtores e
a liquidação das propriedades, sem espoliação nem saque dos
proprietários.
(...)
Tal é a obra começada espontaneamente sob nossos olhos pelo povo,
obra que ele continua com energia admirável, através de todas as
dificuldades da questão e das mais horríveis privações. E, não
convém se cansar de dizê-lo, não
são os fundadores de escola que começaram este movimento, não é o
Estado que deu o primeiro impulso, é o povo. Nós não somos aqui
senão seus intérpretes. Nossa fé, a fé
democrática e social, já não é mais uma utopia, é uma
realidade. Não é de modo nenhum nossa doutrina que pregamos; são
as ideias populares que tomamos por tema de nossos desenvolvimentos.
Aquelas
não são os nossos que desconhecem, que nos falam de associação e
de República e que não ousam confessar para seus irmãos os
verdadeiros socialistas, os verdadeiros republicanos.
Devotados
há dez anos a esta ideia, nós não esperamos o triunfo do povo para
nos alinharmos com ele.
(...)
Que o governo, que a Assembleia Nacional, que a própria burguesia
nos protejam e nos ajudem no cumprimento de nossa obra, seremos
gratos por isso. Mas que não
se procure mais nos distrair daquilo que vemos como os verdadeiros
interesses do povo; que não se tente nos iludir com inúteis
aparências de reforma. Estamos bastante esclarecidos
para sermos novamente ingênuos, sabemos melhor como vai o mundo do
que os políticos que nos honram com suas advertências.
Nós
estimaríamos
muito que o Estado, através de contribuições tomadas sobre o
orçamento, contribuísse para a emancipação dos trabalhadores;
não veríamos senão com desconfiança o
que se chama organização do crédito pelo Estado, e que não é,
segundo nós, senão a última forma de exploração do homem pelo
homem. Nós rejeitamos o
crédito do Estado porque o Estado, endividado em oito bilhões, não
possui um centavo do qual possa dar crédito; porque sua procuração
repousa somente sobre um papel de valor fixo; porque o valor fixo
leva fatalmente à depreciação e porque a depreciação sempre
atinge o trabalhador de preferência ao proprietário; porque nós,
produtores associados ou em via de associação, nós não temos
necessidade nem do Estado nem de valor fixo para organizar nossas
trocas; porque, enfim, o crédito pelo
Estado é sempre o crédito pelo capital, não o crédito pelo
trabalho, sempre a monarquia, não a democracia.
No
sistema que nos é proposto [2] e que nós rejeitamos com toda a
energia de nossas convicções, o Estado, para dar crédito, deve
antes de tudo se prover de capitais. Estes capitais, é preciso
que ele os exija à propriedade, pela via do imposto. É portanto
voltar sempre ao princípio, enquanto se trata de destruí-lo; é
transferir a riqueza, enquanto seria preciso criá-la; é afastar a
propriedade após tê-la proclamado, pela Constituição, inviolável.
Que
outros, com ideias menos avançadas e menos suspeitas, de moral
meticulosa, apoiem tais ideias, não acusaremos de modo algum sua
tática. Quanto a nós, que não fazemos de
maneira alguma guerra aos ricos mas aos princípios; nós, que a
contrarrevolução não cessa de caluniar, nós devemos ser mais
rigorosos. Nós somos socialistas, nós não somos espoliadores.
Não
queremos imposto progressivo porque o imposto progressivo é a
consagração do produto líquido, e nós queremos abolir, pela
associação, o produto líquido; porque, se o imposto progressivo
não retira ao rico a totalidade de sua renda, não é senão uma
concessão feita ao proletariado, uma espécie de resgate do direito
de usura, numa palavra, uma decepção, e porque, se retira toda a
renda, é o confisco da propriedade, a expropriação sem indenização
prévia e sem utilidade pública.
Que
aqueles, portanto, que se dizem antes de tudo homens políticos
invoquem o imposto progressivo como uma represália em relação à
propriedade, como um castigo ao egoísmo burguês; nós respeitamos
suas intenções e, se jamais lhes for dado aplicar seus princípios,
deixaremos livre trânsito à justiça de Deus. Para nós,
representantes daqueles que tudo perderam no regime do capital, o
imposto progressivo, precisamente porque é uma restituição
forçada, nos é interdito; nós jamais proporemos isso ao povo. Nós
somos socialistas, homens de reconciliação e de progresso;
nós não exigimos nem reação nem lei agrária.
Nós
não queremos o imposto sobre as rendas do Estado
porque este imposto é, como o imposto progressivo, em relação aos
capitalistas, somente um confisco e, em relação ao povo, somente
uma transação, um logro. Nós acreditamos que o Estado tem o
direito de resgatar suas dívidas, por conseguinte, de emprestar a
juros mais baixos; não pensamos que lhe seja permitido, sob pretexto
de imposto, faltar a seus compromissos. Nós somos socialistas, nós
não somos bancarroteiros.
Nós
não queremos o imposto sobre as heranças
porque este imposto não é também senão uma retirada da
propriedade, e que, sendo a propriedade um direito constitucional
reconhecido por toda a gente, é preciso nela respeitar o voto da
maioria; porque isto seria um ataque à família; porque não temos
que produzir, para emancipar o proletariado, esta nova hipocrisia. A
transmissão de bens, sob a lei da associação, não se aplicando de
modo algum aos instrumentos de trabalho,
não pode tornar-se uma causa de desigualdade. Deixai portanto a
fortuna ir do proprietário morto ao seu parente mais distante,
frequentemente o mais pobre. Nós somos socialistas, nós não somos
captores de heranças.
Nós
não queremos o imposto sobre os objetos de luxo
porque isto seria aniquilar as indústrias de luxo; porque
os produtos de luxo são a própria expressão do progresso; porque,
sob o império do trabalho e com a subordinação do capital, o luxo
deve ser acessível a todos os cidadãos, sem exceção. Por que,
após haver encorajado a propriedade, nós puniríamos de seu gozo os
proprietários? Nós somos socialistas, nós não somos invejosos.
(...)
Nós não queremos a expropriação pelo Estado das minas, canais
e estradas de ferro: sempre é a monarquia, sempre o salariado.
Nós queremos que as minas, os canais e as estradas de ferro sejam
entregues às associações operárias, organizadas democraticamente,
trabalhando sob a fiscalização do Estado, nas condições
estabelecidas pelo Estado, e sob sua própria responsabilidade.
Nós queremos
que estas associações sejam modelos propostos à agricultura, à
indústria e ao comércio, o primeiro núcleo desta vasta federação
de companhias e sociedades, reunidas pelo laço comum da República
democrática e social.
Nós
não queremos tanto o governo do homem pelo homem como a exploração
do homem pelo homem; aqueles que pegam tão depressa a fórmula
socialista refletiram sobre isso?
Nós
queremos a economia nos gastos do Estado, assim como queremos a fusão
completa, no trabalhador, dos direitos do homem e do cidadão, dos
atributos do capital e do talento. É por isso que nós exigimos
certas coisas que o socialismo indica, e que os homens que se
pretendem mais especialmente políticos não compreendem.
A
política tende a especializar e multiplicar indefinidamente os
empregos; o socialismo tende a fundi-los uns nos outros.
Assim,
nós acreditamos que a quase totalidade de obras públicas pode e
deve ser executada pelo exército; que esta participação nas
obras públicas é o primeiro tributo que a juventude republicana
deve pagar à pátria; que em consequência
o orçamento da guerra e o das obras públicas é um gasto inútil. É
uma economia de mais de cem milhões; a política não se preocupa
com isso.
Fala-se
de ensino profissional. Nós acreditamos que a escola da
agricultura é a agricultura; a escola das artes, profissões e
manufaturas é a oficina; a escola do comércio é o balcão; a
escola das minas é a mina; a escola da navegação é o navio; a
escola da administração é a administração etc.
O
aprendiz é tão necessário ao trabalho quanto o operário: por que
colocá-lo à parte numa escola? Nós queremos a mesma educação
para todos: de que servem estas escolas que, para o povo, não são
senão escolas de aristocratas e para nossas finanças um gasto
inútil? Organizai a associação e,
imediatamente, toda oficina tornando-se escola, todo trabalhador é
mestre, todo estudante aprendiz. Homens de elite se produzem tão bem
ou melhor na obra como na sala de estudo.
A mesma coisa no
governo.
Não
é suficiente dizer que se é contra a presidência se não se abolem
os ministérios, eterno objeto da ambição política. Cabe à
Assembleia Nacional exercer, pela organização de seus comitês, o
poder executivo, como ela exerce por suas deliberações em comum e
seus votos o poder legislativo. Os
ministros, subsecretários de Estado, chefes de divisão etc., são
uma repetição inútil dos representantes, cuja vida desocupada,
dissipada, entregue à intriga e à ambição, é uma causa
incessante de embaraço para a administração, de más leis para a
sociedade, de despesas estéreis para o Estado.
Que
nossos jovens sócios o metam na cabeça: o
socialismo é o contrário do governamentalismo. Isto é tão
velho para nós quanto o preceito: Entre senhor e escravo nada de
sociedade.
Nós
queremos, ao lado do sufrágio universal, e como consequência deste
sufrágio, a aplicação do mandato imperativo. Os políticos se
revoltam com isso! O que quer dizer que a seus olhos o povo,
elegendo representantes, não se dá de modo algum mandatários, ele
aliena sua soberania! Com certeza isto não é socialismo, isto não
é nem mesmo a democracia.
Nós
queremos a liberdade ilimitada do homem e do cidadão, salvo o
respeito à liberdade do outro:
Numa
palavra, liberdade absoluta.
Ora,
entre estas liberdades há sempre alguma que a velha política não
admite, o que acarreta a ruína de todas! Nos dirão um momento: mas
quer-se a liberdade com exceção ou sem exceção?
Nós
queremos a família:
onde estão aqueles que a respeitam mais que nós? Mas
nós não tomamos a família como modelo da sociedade.
Os defensores da monarquia nos ensinaram que era à imagem da família
que as monarquias eram constituídas. A
família é o elemento patriarcal ou dinástico, o rudimento da
realeza;
o
modelo da sociedade civil é a sociedade fraternal.
Nós
queremos a propriedade,
mas
colocada em seus justos limites,
quer dizer, à livre disposição dos frutos do trabalho, a
propriedade menos a usura!
Nós não temos necessidade de dizer isso mais. Aqueles que nos
conhecem nos entendem.
Tal
é, em substância, nossa profissão de fé.
Era
importante, sem dúvida, saber, de um lado, se o povo devia se abster
ou votar; em segundo lugar, sob que bandeira se faria a eleição,
sob que profissão de fé.